Crítica: Caminhos da Memória

Crítica: Caminhos da Memória

Há algo de interessante na forma como a maioria de nós possui um affair pelo passado, por reviver mesmo que em nossas mentes momentos marcantes que vivemos ao lado de amigos e entes queridos. Reminiscência, traduzindo o título original do filme literalmente, significa o ato de relembrar experiências ou eventos passados conservados fortemente na memória, mais especificamente compartilhando histórias pessoais com outras pessoas. Caminhos da Memória, o primeiro longa escrito e dirigido por Lisa Joy (roteirista e co-criadora da série Westworld), utiliza dessa premissa para gerar uma narrativa complexa e frenética, porém nem sempre eficiente.

Num futuro distópico, acompanhamos Nick Bannister (Hugh Jackman), um investigador particular da mente que navega no mundo fascinante do passado junto com sua parceira Watts (Thandiwe Newton), levando clientes as suas memórias mais marcantes, uma vez que com o aquecimento global e suas consequências naturais a cidade de Miami se tornou praticamente submersa, e a nostalgia se tornou um estilo de vida. Quando sua vida é mudada por uma nova cliente chamada Mae (Rebecca Ferguson). Após um caso, ela desaparece e Nick se vê obcecado para descobrir a verdade sobre o que de fato aconteceu.

Para contar essa história, Joy se apoia em uma diversidade de gêneros cinematográficos que nem sempre funcionam bem entre si, mas se podemos definir a obra de alguma forma, seria provavelmente um drama investigativo com elementos de romance, ficção científica, e cenas de ação. Apresentando bem seus personagens principais, o filme logo nos tem presos no desenvolvimento de sua trama, diante das cada vez mais instigantes descobertas de Nick.

As complicações de Caminhos da Memória surgem quando notamos que as ferramentas usadas pelo roteiro para apoiar a história principal acabam não cativando como deveriam, e afetam diretamente o andamento do filme, que por si só é prejudicado por sua duração. As subtramas que nos apresentam personagens secundários envolvidos com o passado de Mae se mostram, na maior parte do tempo, superficiais. Não há quase nada ali que justifique seu tempo de tela.

Jackman e Newton cumprem com a função de seus papéis, porém Ferguson se sai realmente bem diante da personagem enigmática que possui. Com seu charme sem igual e um olhar que diz mais do que palavras, a atriz se supera mais uma vez. E por falar em palavras, se Lisa Joy nos decepciona pelo ritmo inconsistente de seu roteiro, a mesma nos ganha fácil pelos diálogos filosóficos muito bem inseridos. Mesmo que ainda sofrendo dos mesmos problemas de seu cunhado com expositividade, a realizadora nos faz refletir sobre as relações existentes entre amor, perda, passado e presente.

A ausência de mais cenas com Mae e Nick, visto que por fim são poucas, nos dá a impressão de que a narrativa prejudica sua história principal em prol de caminhos narrativos pouco frutíferos, o que nos impede inclusive de nos identificarmos completamente com a obsessão de Nick, pois tudo que conhecemos da relação de ambos os personagens se baseia em pequenos flashes da memória do protagonista, claramente insuficientes para uma projeção satisfatória dos objetivos de Nick.

Ainda que com todas suas dificuldades, o filme consegue nos entreter de forma dinâmica e até nos emocionar em determinados momentos, e pode ser uma boa pedida para os fãs de um sci-fi romântico e agitado, com boas cenas de combate. Entretanto, é inevitável reconhecermos que Caminhos da Memória não é e não será uma obra que ficará realmente em nossa memória.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.