Crítica: A Chegada (COM SPOILERS)

Crítica: A Chegada (COM SPOILERS)

Claramente esperamos que você, leitor, tenha se atentado ao ler o título do texto, estando consciente que spoilers serão abordados nesta análise. Portanto é aquela velha história: se você já viu o filme ou não se importa em ler sobre cenas importantes que acontecem na obra, então você está no barco certo. Caso contrário, recomendamos que assista ao filme ou leia a nossa crítica sem spoilers. A Chegada teve algumas pré-estreias em determinadas cidades, porém só foi lançado oficialmente aqui no Brasil em 24/11, e essa peculiar ficção científica é digna de uma análise pontual sobre seu chamativo conteúdo.

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Tendo uma premissa original, pouco (ou jamais) vista em filmes de ficção científica, a produção traz em sua história, a apresentação da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é procurada por um grupo de militares liderados pelo Coronel Weber (Forest Whitaker) para tentar estabelecer uma espécie de comunicação entre os misteriosos alienígenas que aterrizaram com seus óvnis em diversas partes da Terra, a fim de descobrir suas intenções, e com a ajuda do físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), prezar pela sobrevivência da raça humana. Com isso, o filme abre espaço para questionamentos válidos sobre o tempo, nossa vida, a impaciência e o desespero do homem e as consequências de nossas ações.

A obra já se torna singular por tratar dos alienígenas de uma maneira diferente, perceptivelmente em sua própria abordagem inicial, sendo que não possuem a intenção direta de atacar a raça humana, como na maioria dos filmes com alienígenas. Outro ponto que caracteriza a linguagem única do filme são seus elementos visuais, como o óvni, que não segue o formato padrão pré-estabelecido de um disco voador com luzes piscando e fumaças saindo, sendo apenas uma estrutura comprida, negra e gigantesca. Inclusive, os respectivos alienígenas (a qual somos apresentados diante de uma trilha sonora aterrorizante de Jóhan Jóhannsson, e de uma condução tensa do promissor diretor Denis Villeneuve), que fogem do clichê de cabeças arredondadas e olhos negros, mostrando-se seres de enormes proporções que andam sobre sete pés (heptapods, como são chamados).

Enquanto os meios de comunicação entre os humanos e os alienígenas são desenvolvidos por um enorme grupo de pessoas, Louise passa a ter flashbacks (como somos levados a interpretar) de momentos aleatórios com sua filha, a qual no começo do filme é apresentada rapidamente, num momento angustiante onde Louise presencia a morte dela ainda adolescente, que ocorre devido ao crescimento de uma leucemia avançada. Esses momentos aparentam, inicialmente, ser jogados apenas para expor os profundos sentimentos de uma mãe solteira que perdeu sua filha há pouco tempo (pode-se concluir através da aparência da mãe que não mudou muito), porém que assume uma importância considerável ao final do segundo ato, promovendo uma compreensão diferente do filme (dissertarei sobre isso mais adiante).

Mais um ponto positivo do filme, é a forma como ele utiliza seus intensos efeitos especiais a favor da trama, sem extrapolar e tornar o filme artificial. A montagem de Joe Walker (que além de ter montado o famoso 12 Anos de Escravidão (2013), já trabalhou com o diretor em Sicario (2015) e que também irá participar de Blade Runner 2049 (2017), próximo filme de Villeneuve), é pontual e fornece cortes que auxiliam a trilha sonora e a direção da obra. Há também a interessante direção de fotografia de Bradford Young, que trabalha com uma fotografia escura, majoritariamente com uma iluminação de luz ambiente, e mais precisamente, cores frias que exprimem a sensação de todos ali presentes, seus medos e suas curiosidades. Denis Villeneuve, que vem atraindo os holofotes com suas produções cultuadas e sua visão diferenciada das relações humanas, também transpõe toda sua experiência em criar um clima inquietante como faz com esmero em todos seus filmes, e mostra mais uma vez que sabe escolher bem os profissionais com quem trabalha, criando uma equipe técnica competente que cumpre com todas expectativas, o que transforma o filme em um possível clássico sci-fi do século XXI.

Logo nas primeiras visitas da equipe a um dos 12 óvnis espalhados pelo planeta, a personagem de Amy Adams descobre que, assim como os humanos, os alienígenas também possuem uma forma falada e escrita de se comunicar, porém que diferentemente de nós, não possuem relação entre si. Aprendemos a pronunciar as letras e as palavras formadas, mas no filme, os alienígenas se comunicam com símbolos circulares de pequenas variações que soltam com suas mãos/pés, mostrando que nós estabelecemos formas de comunicação que consideramos inquestionáveis, mas que podem divergir facilmente de outros seres.

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Em uma bela cena do filme, Louise percebe a necessidade de uma apresentação digna entre os humanos (ela) e os alienígenas (Albott e Costello, nomes carinhosos dados por Ian), e então decide tirar seu traje de segurança (que todos os outros da equipe usam), e se dirige ao vidro que separa os alienígenas dos humanos. Então ela estende sua mão e a encosta no vidro, Abbott faz o mesmo com um de seus 7 pés/mãos. A cena apesar de ser curta, demonstra um sentimento forte e curioso entre dois seres diferentes que conseguem por um segundo se comunicar sem a representação de palavras/símbolos e sem a emissão de sons/frases. Neste momento, fica claro pelo menos para Louise, que a intenção dos alienígenas não é ruim, pois mostram paciência e vontade em se comunicar.

Quando Louise tem a chance de fazer a pergunta principal que todos querem saber (“por que os aliens vieram à terra?”), os alienígenas respondem: “oferecer arma”, causando uma grande preocupação por parte dos militares, que concluem significar uma ameaça. Mas Louise acredita que os Alienígenas não sabem a diferença entre “arma” e “ferramenta”. Isso, junto com os acontecimentos globais e as divergências culturais de cada país que possui um óvni em seu terreno, faz com que países como a China, se revoltem contra os alienígenas, ameaçando um ataque, e atraindo outros países para a mesma ideia, como a Rússia e o Sudão. É contado ao público por meio de um dos flashbacks de Louise, a mesma contando à filha, que seu pai as deixou por não aceitar que haveria uma rara doença em suas vidas. Ao contar para sua filha, Louise não deixa claro que a doença se mostrará presente na filha, mas o espectador compreende.

Os planos gerais do filme são incrivelmente marcantes, dão uma ótima noção espacial. Mas o verdadeiro triunfo do filme é o roteiro de Eric Heisserer (inspirado no conto de Ted Chiang), que apresenta uma estrutura não linear, e nos faz refletir sobre o quanto o tempo é relativo. Sim, é a hora do grande spoiler. No momento em que Louise tem acesso ao óvni através de um mini transporte, ela pergunta à Costello (alienígena) o porque de estar tendo tais visões, e ele diz a ela que são previsões do futuro. É aí que o espectador se encontra em um inesperado twist, que prova que os flashbacks (por isso em negrito) que Louise tinha, eram na verdade flash-forward, ou seja, todas as visões de Louise com sua filha não eram memórias, mas sim visões do que ainda iria acontecer. Isso fica claro próximo ao fim do filme, quando Louise pergunta para si mesma: “quem é essa menina?”, deixando claro que ela ainda não conhecia sua futura filha.

É realmente fascinante como as visões são interpretadas de uma forma até o segundo ponto de virada do enredo, e a partir dele tudo se torna diferente na mente do espectador, mais definido e coeso. Dentro dessa simples percepção (ou falta dela), é que somos colocados em uma reflexão interna sobre o tempo: se somos capazes de nos iludir com visões caracterizadas por uma simples paleta de cores quentes e vê-las como lembranças, o quão conseguimos nos enganar ao tentar esclarecer algo tão complexo como o tempo?

Portanto, esta é a principal qualidade do filme, que o dá a definição de “inovador” em sua temática. Porém se o roteiro de Heisserer é o elemento responsável pelo maior atrativo do filme, ele é também aquele que mais deixa a desejar durante a obra. Somos apresentados a vários personagens secundários (senão terciários) que compõem a equipe da missão. E até aqueles que mais aparecem, como Ian e o Coronel Weber, são extremamente mal trabalhados. Suas funções na narrativa se tornam no mínimo questionáveis, pois não demonstram nenhum traço notável de personalidade, e isso nem as atuações esforçadas de Renner e Whitaker conseguem corrigir.

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A única caracterização cativante é a da protagonista, vivida pela determinada atriz, Amy Adams, que entrega uma de suas melhores interpretações. Embora o filme seja sem dúvida uma obra-prima do diretor, não possui uma dubiedade crítica tão acentuada como em suas obras anteriores: Os Suspeitos e O Homem Duplicado, ambos de 2013. O primeiro estabelece um questionamento oportuno de até onde o nosso senso de justiça pode nos levar, sondando os limites entre o certo e o errado. E no segundo, uma dúvida cruel é deixada no espectador do começo ao fim: Adam e Anthony eram ou não a mesma pessoa? Existe também uma referência visual aprazível entre O Homem Duplicado e A Chegada, e ela se encontra na relação entre o humano e outro ser. No primeiro, é a memorável cena final em que Adam choca-se uma aranha gigante no quarto, e no segundo, o momento em que Louise se depara com um alienígena no canto do quarto (sendo isso apenas um sonho).

É preciso citar a curiosidade/observações da relação entre alguns elementos do filme e o tempo. A primeira está nos símbolos usados pelos alienígenas para se comunicar, onde podemos ver que todos possuem um formato parecido com um círculo, indicando um ciclo, em que não há fim, apenas recomeços. Outro aspecto interessante é o nome da filha de Louise, que é Hannah, um palíndromo, isto é, algo que pode ser lido de trás para frente e possuir o mesmo sentido. Isso pode ser visto como uma metáfora ao tempo, que possui um sentido relativo, uma vez que pode ser interpretado de várias formas.

No final, somos levados a conhecer o pai de Hannah através de uma previsão de Louise, e ele se mostra ser Ian (o que ao menos o atribui enfim uma importância para o filme), dando a entender que após Louise e Ian se conhecerem na missão, eles teriam se apaixonado e tido uma filha. Os diálogos do filme são agradavelmente instigantes, sendo as últimas falas de Louise profundamente tocantes, em que ela decide ter uma vida com Ian mesmo sabendo que o final da história não acabará bem.

No geral, A Chegada é um filme que pode decepcionar muitos fãs de ficção científica que vão aos cinemas apenas para presenciar uma forte carga de ação, com tiros e explosões para todos os lados, carregados de efeitos especiais que estão ali apenas para impressionar o espectador. Este filme não deveria ser classificado apenas como ficção científica, mas também como um forte drama inteligente, que provoca no público indagações relevantes, mas que assim como os outros filmes do diretor, possui um desenrolar lento, porém vistoso, que ilude, alimenta, comove e instiga a mente.

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FICHA TÉCNICA
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro:
Eric Heisserer
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forrest Whitaker, Michael Stuhlbarg, Tzi Ma, Mark O’Brien
Fotografia: Bradford Young
Trilha Sonora: Jóhann Jóhannsson
Montagem: Joe Walker
Duração: 116 min.
Gênero: Drama / Ficção Científica

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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