Crítica: Climax
Celebrando a diversidade e dissecando o caos
Gaspar Noé, um dos mais polêmicos e controversos diretores de cinema da atualidade, aparenta ter trazido para as telonas sua maior e mais profunda obra audiovisual. Climax é a possibilidade de inúmeras reflexões a cerca da coletividade humana, nos propondo pensar sobre as consequências de uma sociedade livre e ignorante. Ao mesmo tempo que o filme celebra a diversidade de pessoas em seus aspectos físicos e mentais, o roteiro também discorre sobre o caos decorrente de nossas paranóias e préjulgamentos.
A história se inicia, na década de 90, com uma seleção de mais ou menos 20 dançarinos urbanos, com estilos próprios, que se reúnem em um local isolado (no meio de uma floresta cercada de gelo) para alguns ensaios. Depois de ensaiarem, ao começarem a se divertir, passam a perceber que todos estão estranhos e começam a achar que foram drogados por alguém. É quando o espaço de dança dá lugar para um descontrole emocional tomado de desconfiança e insensatez, que não demora para se tornar um pandemônio.
O filme não tem uma evidente protagonista, porém quem mais chega perto disso é Selva (Sofia Boutella), que parece se relacionar com o maior número de personagens da história. Antes do conflito aparecer e sermos levados pelo suspense da trama, somos apresentados aos diversos dançarinos através de entrevistas, longos planos de danças e expressões corporais, e principalmente descontraídas conversas entre os personagens (todas improvisadas), sobre os mais variados assuntos, entre eles, o mais comum: o sexo, temática de costume nos filmes do diretor.
É nesses momentos que começamos a notar a diversidade que existe em Climax. São pessoas de diferentes sexos, cor de pele, cortes de cabelo, classes sociais, e que também possuem diferentes pontos de vista sobre a vida e sua vasta gama de assuntos, como aborto, religião, forma de criar uma criança, uso de drogas, entre outros. E essa diversidade, além de ser muito bem-vinda, não é apresentada sem objetivos. Depois que o medo e a loucura se instauram, são exatamente essas diferenças, juntamente com suas intolerâncias e comportamento odiosos, que trazem à tona o pior dos personagens.
Curiosamente, nos vemos presos em um ambiente insano e sem escrúpulos assim como os personagens, ainda que a história nos seja contada de maneira bem dinâmica, por meio de movimentos de câmera fluidos em inúmeros planos sequência intercalados por cortes mascarados. São planos que vão contornando os personagens e seus vários arcos que compõem o interesse do espectador diante da trama.
O forte uso da iluminação vermelha (e também verde e azul) cria um espaço festivo, ao mesmo tempo que nos deixa confusos e desamparados, em uma sensação de como se tivéssemos usado drogas pesadas, novamente, assim como os personagens. Inclusive, são curiosos os planos filmados de cabeça pra baixo, que escancaram o “caos” presente naquele lugar, e dentro dos próprios personagens. Por essas e outras, a direção de Noé, e a cinematografia de Benoît Debie são os maiores responsáveis pela imersão do público na história e em sua proposta caótica.
Como em Irreversível (2002), aqui temos cenas que nos impactam já por seu conteúdo individual/visual, mas que somadas com o contexto geral da obra, de atitudes imprudentes e personagens mal intencionados, conseguem atingir o nível de perturbadoras. Tudo aqui parece alimentar uma ou outra sequência. São plantadas aos poucos situações de desespero que cada vez mais confirmam um dos letreiros inseridos no filme: a vida é a prova da impossibilidade coletiva.
Climax é muito mais que uma simples produção francesa e belga de baixo orçamento com apenas uma locação e atores não profissionais. É uma convidativa crítica aos costumes e convenções que possuímos frente a situações que fogem do nosso controle. É uma lição em forma de delírio, que nos permite sonhar com o respeito mútuo e a tolerância dos cidadãos, enquanto lamentamos pelo egoísmo e ignorância presentes em todos nós.