Crítica: Doentes de Amor

Crítica: Doentes de Amor

Tem horas em que a vida dá um filme. Para Kumail Nanjiani e Emily V. Gordon, isso não é diferente. O casal de roteiristas escreveu a comédia romântica Doentes de Amor, que estreia no dia 19 de outubro, com base em uma inusitada época de seu relacionamento. Apesar de ser uma história real, recomendo que evite o próximo parágrafo caso queira manter algumas surpresas intactas. Sabem como é.

Logo em sua primeira cena, o jovem comediante paquistanês Kumail (Kumail Nanjiani) conhece Emily (Zoe Kazan), e os dois logo se apaixonam. Negam suas intenções por algum tempo, mas eventualmente namoram. No quinto e conturbado mês da relação, Emily apresenta uma infecção misteriosa e deve ser mantida em um coma induzido para o tratamento. No hospital, resta a Kumail viver os próximos dias ao lado dos pais de Emily, Terry (Ray Romano) e Beth (Holly Hunter).

O lance com comédias românticas é que, se não há personagens interessantes ou carismáticos, então não há um porquê para o envolvimento do público. Felizmente, Doentes de Amor acerta em cheio com um elenco que, se bobear, estará indicado ao prêmio principal dos SAG awards. Nanjiani está com seu humor peculiar intacto, Kazan apaixonante como em seus papéis anteriores, Romano sendo uma versão levemente mais realista de sua persona em Everybody Loves Raymond, e, por fim, Holly Hunter mostrando força tremenda tanto em cenas cômicas quanto dramáticas. Há ainda a família de Kumail, integrada pelos excelentes Anupam Kher, Zenobia Shroff e Adeel Akhtar, pai, mãe e irmão, respectivamente.

E aí entra outro ingrediente que destaca Doentes de Amor entre os demais de seu gênero: uma perspectiva cultural distinta. Quem conhece o trabalho de Nanjiani já sabe como seu texto é rico em observações sobre a cultura norte-americana aos olhos de quem veio de fora, e vice-versa. O tratamento carinhoso que o roteirista dá ao pulo geracional entre ele e seus pais então garante momentos tão raros quanto emocionantes, nunca caricaturais ou redutivos, algo que seria o mais provável caso o longa fosse escrito por alguém fora desta cultura. E é ótimo ver o comediante repetir, em cena, sua piada do “queijo”, diretamente de seu primeiro álbum Beta Male (escutem, está no Spotify!).

No entanto, há outra questão com comédias românticas: direção. Apesar de admirar muito o trabalho de Michael Showalter nas comédias Wet Hot American Summer e They Came Together, aqui o autor está um pouco fora de seu elemento esquisitão e aposta em um registro eficiente, mas não muito original da narrativa. Não acho que todo o gênero deva seguir o template deixado por Marc Webb em 500 Dias com Ela, mas vejo pouco espaço de experimentação no gênero, às vezes deixando a sensação de “já vi isso antes” (podia só ter falado dejá vú). Mas, até aí, uma de minhas rom coms favoritas é À Procura do Amor, com Julia Louis-Dreyfuss e James Gandolfini, desenvolvida no mesmo estilo de fotografia mundana e com trilha a la comercial de banco. E sempre há uma canção popzinha para amarrar tudo.

Ainda assim (preciso renovar meus conectivos), não dá pra errar a ida ao cinema com Doentes de Amor, que emociona, diverte e ainda constrói empatia por uma cultura pouco contemplada nos filmes mainstream americanos (ou de qualquer país). No fim das contas, prevalece a gratidão por conhecer um elenco tão adorável de personagens, construído e lembrado por Kumail e Emily com uma afeição de deixar até o espectador mais cínico (eu mesmo) tocado.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.