Crítica: Em Ritmo de Fuga
Há estudos diversos que associam o prazer de escutar música às melodias que já consideramos familiares, conhecendo sua estrutura e ritmo, portanto com respostas emocionais mais consolidadas. Em Ritmo de Fuga, novo filme do visionário Edgar Wright, traz muitas novas músicas em seu repertório, mas, ao todo, segue uma melodia já muito conhecida: o filme de assalto.
Referi-me a Wright como um visionário, e com uma razão: desde sua despontada cinematográfica com Todo Mundo Quase Morto em 2004, o cineasta britânico confeccionou um estilo só seu, deixando claras suas inspirações mas também experimentando um novo ritmo, quase como uma HQ viva (sem as transições bregas que Ang Lee usou em seu mal-fadado Hulk). O maior exemplo disso está no que não considero seu melhor filme, mas sim o ápice de seu estilo, Scott Pilgrim contra o Mundo.
Bastam 2 minutos de Pilgrim para ilustrar a capacidade de Wright em transportar o espectador para dentro de suas criações (ou recriações). Ainda assim, é recomendado que o leitor procure toda a filmografia de Wright, que também inclui sua magnum opus Chumbo Grosso e o ótimo Heróis de Ressaca (isso se desconsiderarmos sua série de TV Spaced e seu longa de estreia A Fistful of Fingers, sem falar em um exemplar repertório de videoclipes).
2017, então, é palco para seu esperado retorno, imediatamente estimado como um dos melhores longas do ano e um dos mais únicos a agraciarem as telas em bastante tempo. Essa recepção escaldante alavancou o hype para Em Ritmo de Fuga, que pode ou não ser correspondido dependendo das expectativas. Como um fã de Wright, pessoalmente, posso dizer que se trata de seu filme mais convencional até hoje, o que ainda não tira seu brilho.
Como dito no começo do texto, a exploração de Wright em um território mais clichê pode, em muitos casos, agradar mais facilmente do que suas peculiaridades. Em Ritmo de Fuga é orgulhosamente inspirado em diversos filmes policiais, misturando uma trama tarantinesca de assalto com o clima descolado do filme de motorista solitário.
Na trama, Baby (Ansel Elgort) é motorista de fuga para uma gangue de assaltantes, liderada por Doc (Kevin Spacey). Detalhe: Baby sofre de uma tinite aguda, escutando músicas ininterruptamente para evitar a dor em seus ouvidos. Conhecemos seu mundo ao ritmo de sua playlist, com criminosos ameaçadores (Jamie Foxx, Jon Hamm e Eiza Gonzales), o interesse amoroso Jonathan… Debora… Debra (Lily James) e o pai adotivo surdo (CJ Jones). Há também diversas outras figuras aqui e ali que tornam o mundo de Baby mais palpável, firmando o enredo na realidade.
A sincronia musical tão falada de Em Ritmo de Fuga não difere tanto do que se vê nos trabalhos anteriores de Wright, pra ser sincero. Sua cena inicial, inclusive, é completamente inspirada no videoclipe de Blue Song, do Mint Royale, na qual um motorista de fuga canta sozinho em seu carro, enquanto espera seus colegas assaltantes. Claro, desta vez é um filme todo sendo escrito de acordo com sua trilha sonora, mas o efeito em si não atinge a transcendência que muitos podem estar esperando. A música acelera, desacelera, cresce, decresce, etc. Mas como dito antes, Em Ritmo de Fuga está firme na realidade, então não esperem um musical de Gene Kelly ou Stomp (duas coisas que nunca cogitei encontrar numa mesma frase).
Falando em realidade, esquecem-se as comparações e as expectativas por um momento: Em Ritmo de Fuga é um ótimo filme de ação. Com fotografia vibrante de Bill Pope (Homem-Aranha 2) e uma montagem alucinada de Paul Machliss, o longa faz o melhor uso de seu limitado orçamento para criar perseguições eletrizantes, sejam elas de trás de um volante ou a pé. Wright, um aficionado do cinema de ação, teve aqui a coordenação do dublê Darrin Prescott, que também trabalhou na maestrosa perseguição final de A Supremacia Bourne. Apesar de nenhuma das cenas atingir o grau destruidor daquele ilustre momento, há ainda grande esmero técnico para tornar este um longa obrigatório para quem curte ação pura.
O que mais impressiona, ainda assim, é a sonoridade de Em Ritmo de Fuga. A mixagem sonora envolve o espectador em um ambiente verossímil, enquanto a edição de sons cria uma barragem visceral durante os momentos mais tensos. Ainda mais interessante é a sacada de criar momentos binaurais, ou seja, pensados em direita e esquerda, até mesmo em cenas pequenas nas quais Baby remove um de seus fones. Pela primeira vez, posso dizer que estou ansioso para assistir a algo com fones de ouvido.
Em Ritmo de Fuga pode não ser sua coisa favorita, assim como não foi para mim. Porém, não se pode negar o grau de capricho em sua produção, que transborda energia e inventividade. Edgar Wright certamente realizou filmes mais originais e memoráveis que esse, mas ainda se mantém perdidamente apaixonado pela arte cinematográfica. Um bom moço e um demônio de trás de uma câmera.
5 comentários sobre “Crítica: Em Ritmo de Fuga”
Comentários estão encerrado.