Crítica: Entre Facas e Segredos

Crítica: Entre Facas e Segredos

Intrigas de classe

Entre Facas e Segredos

Como define o policial vivido por Lakeith Stanfield, o cenário de Entre Facas e Segredos parece um tabuleiro do jogo Detetive que ganhou vida. Há uma luxuosa casa de campo, uma morte misteriosa e muitos suspeitos, todos com potenciais motivos para assassinar a vítima. Porém, se à primeira vista o longa escrito e dirigido por Rian Johnson, tem certa semelhança com as intrigas criadas pela célebre autora Agatha Christie, o desenrolar da trama denota pitadas da mesma crítica social vista em produções recentes como Corra! e Parasita.

Logo no início, percebemos que a família do falecido patriarca Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é um retrato dos clãs milionários da elite branca norte-americana, reproduzidos também aqui no Brasil. Aquele áudio viral da garota enfurecida que diz trabalhar com o pai “porque eu MERECIIII” vem à mente ao ouvir os depoimentos dos personagens, todos resistentes a admitir que, já com filhos para criar, ainda são sustentados pelos dividendos da longa e bem sucedida carreira de Harlan como escritor de romances policiais.

Do outro lado está a enfermeira Marta Cabrera (Ana de Armas, de Blade Runner 2049, aproveitando ao máximo sua primeira protagonista no cinema). Tida como “praticamente parte da família” mesmo que nenhum dos Thrombeys vivos se interesse em saber se ela é equatoriana, paraguaia ou brasileira, a garota vira peça fundamental na investigação conduzida pelo sagaz detetive Benoit Blanc (Daniel Craig, caprichando no sotaque à la Kevin Spacey em House of Cards), clara referência de Johnson a Hercule Poirot, protagonista das obras de Christie.

A graça de Entre Facas e Segredos é que, ao mesmo tempo em que homenageia os clássicos suspenses do estilo “quem é o culpado?”, o longa subverte as regras do gênero. Boa parte do mistério é desvendada pouco após o começo, mas o grupo de personagens é tão intrigante que a questão é saber como cada um deles vai reagir a cada reviravolta da história, que aos poucos vai tirando as máscaras de civilidade daquela família.

O ótimo roteiro é a faca mais afiada do filme, tocando em tópicos bastante atuais – dos adolescentes ricos de extrema direita à crise de imigrantes, sempre de forma orgânica, criando camadas para cada indivíduo visto na tela. O elenco, que ainda tem Chris Evans, Toni Colette, Michael Shannon e Jamie Lee Curtis, está em completa sintonia, cada um capaz de dar personalidade própria a seu personagem, mesmo que o grande número de atores e atrizes em cena signifique aparições de tempo reduzido para alguns deles.

Depois de ousar e dividir opiniões em Star Wars – Os Últimos Jedi, Johnson mais uma vez mostra que tem algo que o diferencia da média em Hollywood: a capacidade de entreter sem nivelar por baixo a inteligência do público, se mantendo ao mesmo tempo original e comercialmente viável. Em seu final de semana de estreia nos EUA, Entre Facas e Segredos alcançou US$ 41.7 milhões nas bilheterias, cifra cada vez mais rara para produções que não sejam franquias ou adaptações.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil