Crítica: Esplendor

Crítica: Esplendor

Filme de Naomi Kawase parte de proposta interessante mas se perde no desenvolvimento

Imagem do filme Esplendor

Exibido na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Esplendor parte de uma proposta muito interessante: seria uma audiodescrição algo limitador na experiência cinematográfica do espectador cego? Ou melhor: há como sintetizar a riqueza de um filme em apenas palavras? Com esse ponto de partida, a diretora e roteirista Naomi Kawase captura o interesse já de início.

Para aqueles que não sabem o que é uma audiodescrição, trata-se de uma faixa de áudio gravada separadamente para deficientes visuais, com descrições geralmente literais de tudo que acontece em cena, isso ainda no cuidado de não atropelar as falas do próprio filme ou programa. É um trabalho cheio de tentativas e erros, algo que a cena inicial de Esplendor captura de um jeito convincente: Misako (Ayame Misaki) é uma jovem áudio descritora que trabalha na adaptação de um filme especialmente sensorial. Com dificuldades para transmitir e sintetizar as sensações do longa, seu texto está bastante aquém do que é exigido por sua audiência de testes, na qual se encontra Masaya (Masatoshi Nagase), fotógrafo que sofreu perda parcial da visão e é o principal crítico do trabalho da jovem.

Kawase tem em mãos uma temática promissora e pouco explorada, mas decide levar seu filme em frente numa abordagem um bocado mais comum. Misako e Masaya criam um vínculo ao longo do árduo processo de audiodescrição, permitindo que ela conheça um lado mais sensível do ríspido sujeito. Ele, por sua vez, vem a aceitar a perda crescente da visão e a diferença entre sua percepção e a da jovem. É claro, como o próprio pôster já implica, os dois começam a nutrir novos sentimentos, um pelo outro. Clichê? Com certeza. Porém o maior trunfo de Esplendor são felizmente as atuações da dupla de protagonistas, em especial a de Nagase (Paterson), que interpreta a condição física de seu personagem com comedimento e bom gosto. Portanto, são presenças facilmente apreciadas e que seguram o interesse mesmo numa história que tanto vemos.

Mas com esse desenvolvimento mais ordinário que a discussão em seu centro, Esplendor parece não ter a profundidade ou insight pelos quais seus personagens almejam. Mesmo com a direção delicada de Kawase e uma fotografia que encantaria os ‘instagramers’ de plantão, ao menos tornando o decorrer do filme em um deleite imagético, o enredo apresenta dificuldades em encontrar situações tão cativantes quanto sua premissa básica. Outro erro do roteiro, cometido na reta final, é tomar o sentimento do espectador como garantido e ainda fornecer respostas fáceis, que é exatamente o oposto do que Misako procura fazer, resultando numa conclusão contraditória.

Mesmo que tente envelopar bem mais do que consegue, Naomi Kawase merece respeito por ao menos fazer algumas perguntas pertinentes. Hoje mais do que nunca, vemos uma onda de vídeos e outros materiais dedicados a sintetizar, ou melhor, mastigar a experiência cinematográfica para que todos a compreendam homogeneamente, ignorando a mágica de poder imprimir sua própria vivência ou suas próprias ideias na tela e com isso se apropriar daquele filme que assim se torna tão especial. Afinal, dá pra colocar o cinema em uma caixinha? Esplendor pode não ser o meu ou o seu filme, mas ao menos dá visibilidade a essa questão tão pertinente enquanto convida o público a adotar um outro olhar, fora de sua realidade.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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