Crítica: Homecoming (1ª Temporada)

Crítica: Homecoming (1ª Temporada)

Amargo regresso

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Mesmo antes de Mr. Robot chegar à temporada final, o diretor Sam Esmail já deixou sua marca em outra série envolvendo conspiração, paranoia e esmero visual extremo. Trata-se de Homecoming, série original da Amazon Prime e estrelada por uma Julia Roberts totalmente distante dos papéis aos quais costuma ser associada.

A atriz interpreta a psicóloga Heidi Bergman, responsável por uma clínica que recebe soldados norte-americanos em retorno do front no Oriente Médio, um projeto ainda em fase de testes. À primeira vista, a intenção é facilitar a adaptação dos jovens combatentes de volta à vida em sociedade, mas, como fica claro após os primeiros episódios, há interesses mais amplos ali.

Boa parte do roteiro foca nas sessões da terapeuta com um paciente em especial, o simpático Walter Cruz (Stephan James). Ele é um daqueles militares que parecem perfeitos para a experiência: passou por um trauma pesado ao se sentir culpado pela morte de um colega, é colaborativo e demonstra acreditar no potencial do experimento para lhe fazer bem.

Do outro lado da sala, a personagem de Roberts compartilha da mesma crença, ela própria uma espécie de soldado trabalhando em nome de um ideal maior, ainda que demore a entender o que isso significa por inteiro. Como em todo tipo de guerra, as ordens muitas vezes vem de quem toma decisões a quilômetros de distância, no conforto do ar condicionado.

Homecoming se passa em duas linhas temporais: uma em 2018, outra alguns anos mais tarde, quando, Thomas Carrasco (Shea Whigham) um investigador do Departamento de Defesa norte-americano tenta entender o que aconteceu com os protagonistas, já distantes de suas funções anteriores. Há no visual um jogo com o formato da tela, ora com o hoje tradicional 16:9, ora reduzido ao quadrado 1:1, que não está ali simplesmente para ajudar na identificação da ordem cronológica, mas que, como os últimos episódios deixam claro, tem como função simbolizar aspectos psicológicos de seus personagens.

Esmail, que dirige os dez episódios da primeira temporada e é um de seus criadores (ao lado de Eli Horowitz e Micah Bloomberg), se esforça também para manter a tensão em alta nos longos telefonemas entre Bergman e seu chefe, Colin Belfast (Bobby Canavele). São cenas, algumas em plano-sequência, que revelam sobre os personagens muito mais do que está sendo dito no texto: Belfast está sempre hiperativo e disperso, enquanto Bergman tenta se manter contida, já que é não é alguém que demonstra os sentimentos facilmente.

A performance de Julia Roberts, que tem recebido cada vez menos chances como atriz principal no cinema, é um forte argumento sobre como uma artista pode render se encontrar o material certo em mãos. Sua personagem é um enigma, em certo sentido até para ela mesma, construído em gestos simples como a obsessão com o alinhamento dos objetos e o sorriso largo (marca registrada de Roberts por toda a carreira) que ocasionalmente escapa, quando baixa a guarda.

Parte drama existencialista, parte ficção-científica e parte thriller político, Homecoming fecha suas pontas de forma tão satisfatório no episódio final que fica até difícil imaginar como será uma segunda temporada. De todo modo, esta já foi confirmada pela Amazon.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil