Crítica: Malcolm & Marie

Crítica: Malcolm & Marie

“Não vamos falar nada produtivo hoje à noite”, diz Marie (Zendaya), antes de uma longa discussão de relacionamento com seu namorado Malcolm (John David Washington), um cineasta eletrizado após voltar da première de seu novo filme. No decorrer de Malcolm & Marie, o diretor Sam Levinson se encontra no mesmo dilema levantado pela personagem que criou, ao longo de mais de uma hora e meia de diálogos ágeis, verborrágicos, porém circulares em natureza. 

Talvez a ideia por trás de tudo nem seja produtiva, mas sim terapêutica para Levinson, que expõe e canaliza através de Malcolm seus diversos descontentamentos com a indústria cinematográfica e principalmente a crítica de cinema. No entanto, alguns espectadores ficarão possivelmente alienados neste processo de desabafo, que chama a atenção mas não necessariamente cativa da forma que é apresentado. 

Levinson faz de tudo para dinamizar o processo, realizando longos travelings pela residência dos protagonistas e demandando dos intérpretes uma movimentação inquieta pelo espaço de cena, indo e voltando por cômodos enquanto esbravejam suas emoções um contra o outro. Só que essa, ainda assim, é uma discussão de Levinson consigo mesmo e talvez até com a própria crítica, mas quase nunca com o público. 

Na realidade, o público mais amplo deve se encontrar distanciado pelas primeiras impressões deixadas por Malcolm & Marie: câmera na mão, fotografia em preto e branco, diálogos sobre cinema. Esse certo ar hipster que pode deixar qualquer espectador preparado para uma demonstração de pedantismo perante o público, e para ser completamente sincero, não chega a ser um caso tão diferente, afinal das contas. 

O que salva o longa da total alienação, no entanto, são dois fatores: o desenvolvimento de suas personagens e as interpretações comprometidas de Zendaya e John David Washington. Estes dois fatores, na verdade, andam de mãos dadas, já que há claramente um esforço de improviso pelos dois atores, fazendo contribuições para os diálogos que Levinson em si não faria confortavelmente em seu lugar de fala. 

Zendaya, especificamente, está muito confiante em sua entrega, primeiramente reativa às ações de seu parceiro de cena mas logo, pouco a pouco, tomando o leme e conduzindo a metade final do longa a um belo monólogo conclusivo. Já Washington tem de lidar com um trabalho mais espinhoso, o de incorporar o cineasta e suas reflexões, compondo um personagem igualmente relevante e insuportável. 

No fim, Malcolm & Marie é uma interessante proposta da Netflix para essa temporada de premiações, embora duvide pessoalmente do reconhecimento da obra. Apesar de defender o direito de cinema não ser mensagem, o próprio longa acaba sendo um filme-mensagem de Levinson para a crítica de cinema e também a indústria, o que pode prejudicar suas chances com os sindicatos e a própria academia.

Pelo menos, o que fica é uma demonstração do talento de Zendaya e John David Washington, duas jovens estrelas que estão rapidamente subindo os ranques e que merecem o espaço conquistado. Além disso, há uma esperta decisão em relação aos créditos iniciais, que destacam profissionais de todos os tipos, desde o catering à seleção de locações. É uma decisão nobre, certamente, se comparada com os padrões. 

Talvez, desta forma, Malcolm & Marie não fique tanto apenas como um filme de Sam Levinson para ele mesmo, e sim uma demonstração singela de carinho pelo fazer cinema. Das duas coisas, uma. 

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.