2021 será o ano do streaming nos Oscars?

2021 será o ano do streaming nos Oscars?

Depois do que foi um ano atípico para o cinema, era de se esperar que o catálogo disponível de filmes sofresse com as sérias consequências deixadas pelo fechamento das salas ao redor do globo. No entanto, as plataformas de streaming seguiram firmes e fortes com um volume considerável de conteúdo, e agora veremos muito provavelmente uma temporada de premiações marcada pela presença em massa de filmes distribuídos pela Netflix e a Amazon Prime Video, para nomear apenas algumas. 

Neste texto, vamos destacar os elos fortes de cada título da temporada (leia-se: os trabalhos de ficção), desde a colaboração de Spike Lee com a gigante do streaming em Destacamento Blood, à estreia de Regina King como diretora em Uma Noite em Miami. São apenas algumas apostas descompromissadas para reconhecimento nas premiações, então não vejam este artigo como uma espécie de previsão e sim uma singela maneira de distribuir alguns elogios aos filmes que assisti nesta temporada.  


A atuação transformadora de Delroy Lindo e uma bela trilha de Terence Blanchard em Destacamento Blood

Delroy Lindo pode ser um nome reconhecível ao público como coadjuvante em uma série de produções hollywoodianas, mas em Destacamento Blood vemos um profissional do mais alto calibre encarando um papel extremamente desafiador, um que poderia facilmente descambar para a comédia acidental caso caísse nas mãos erradas. Aqui, Lindo encarna um homem consumido pelo trauma da guerra, contando com monólogos poderosos que são dirigidos diretamente ao público. 

Já o compositor Terence Blanchard, que possui um sólido histórico de colaboração com Spike Lee, aproveita temas militares genéricos e dá a eles uma camada de amargura, como se estivéssemos assistindo a uma matinê anti-Guerra do Vietnã. É um belo trabalho que não deve ser ignorado e que vem acompanhado de uma penca de canções de Marvin Gaye, como se já não pudesse melhorar. 

Disponível na Netflix.


A mente de Charlie Kaufman e sua adaptação de Estou Pensando em Acabar com Tudo 

Ironicamente, um dos títulos menos acessíveis da temporada, embora esteja na maior plataforma de streaming do mundo. Estou Pensando em Acabar com Tudo é um dos grandes filmes do ano por representar de forma visionária o fluxo de consciência de um indivíduo em desespero, com um roteiro absolutamente rico de Charlie Kaufman em adaptação do livro de mesmo nome. 

Provavelmente serão esquecidas em meio à disputa, mas as interpretações aqui também merecem destaque. Jessie Buckley, Jesse Plemons, Toni Colette e David Thewlis estão todos comprometidos com a subjetividade da visão de Kaufman, transformando-se múltiplas vezes em cena até que o espectador já não saiba mais quais medições de tempo e espaço devem ser aplicadas ao filme.

Disponível na Netflix.


O bonde de Os 7 de Chicago e a verve de Aaron Sorkin

Inicialmente estive em dúvida sobre colocar ou não Os 7 de Chicago nesta lista, já que se trata de uma aquisição de última hora da gigante do streaming com a Paramount, mas como O Som do Silêncio, originalmente pensado para o cinema, também entrou (veja abaixo), por que não incluir o filme de Sorkin? Originalmente um projeto de Steven Spielberg, o longa se torna uma colagem de diálogos elétricos sob o comando do aclamado roteirista de A Rede Social e Moneyball. 

A verve do autor se reflete diretamente sobre o trabalho do enorme elenco, dentre o qual se destacam Sacha Baron Cohen, Mark Rylance, Frank Langella e Jeremy Strong. Será difícil imaginar Os 7 de Chicago de fora das categorias principais, mas a maior pergunta é: quem será lembrado nas categorias de atuação? Pelo menos, é para isso que existe o SAG e a nova categoria de Melhor Elenco / Casting proposta pela Academia. 

Disponível na Netflix.


O desempenho estelar de Riz Ahmed, Paul Raci e um desenho sonoro espetacular em O Som do Silêncio

Desde Four Lions, o ator e rapper Riz Ahmed mostrou um talento especial para compor jovens homens perturbados por algum tipo de aflição, e em O Som do Silêncio isso não é diferente. Sentimos cada parte de seu coração partir enquanto a audição de Ruben, seu personagem, desaparece gradativamente. Para acompanhá-lo no processo, temos o surpreendente Paul Raci, como o mentor de jovens almas afetadas pela perda da audição.

No entanto, o grande destaque de O Som do Silêncio está em seu desenho sonoro espetacular, detalhando cada fase do processo que aflige Ruben de maneira assombrosamente convincente. Desde sons abafados até ruídos grosseiros em baixíssima fidelidade, é uma jornada sensorial marcante que merece o reconhecimento da Academia, agora englobando as categorias sonoras em uma só, mesmo que prestigiado através do streaming,.

Disponível no Amazon Prime Video.


Um trêbado Gary Oldman, a direção precisa de David Fincher e o valor de produção altíssimo de Mank

“Não se preocupem! O vinho branco saiu com o peixe”, diz Mank (Gary Oldman) quando este vomita durante um jantar especial na mansão de William Randolph Hearst.  É neste tom que Oldman se mantém pela duração do longa de David Fincher, numa interpretação que independe de fatores como uma maquiagem robusta ou tiques excessivos. Oldman talvez seja esquecido na disputa, mas com certeza merece reconhecimento. 

A precisão com que Fincher comanda seu filme também deve ser do agrado da Academia e, embora deixe no ar uma dúvida da qual todos sabemos a verdade (Orson Welles de fato co-escreveu Cidadão Kane), o valor de produção com o qual lida aqui é de dar inveja: grandes sets, fotografia em lentes scope, uma trilha sonora original de Trent Reznor e Atticus Ross, e, é claro, um grande elenco que conta ainda com uma sarcástica Amanda Seyfried.

Disponível na Netflix.


O canto de cisne de Chadwick Boseman e Viola Davis excelente como sempre em A Voz Suprema do Blues

Chadwick Boseman se foi muito cedo, mas deixou um legado significativo, e esse legado é coroado com A Voz Suprema do Blues, adaptação da peça de August Wilson que basicamente consiste de três pequenos sets. Os monólogos de Boseman são poderosos, sua energia no papel é invejável e seu elenco de apoio apenas grifa seu talento em meio a diálogos ágeis. 

Viola Davis também tem sua chance de reconhecimento aqui, transformada na Mãe do Blues, e consegue junto de Chadwick superar a direção extremamente quadrada de George C. Wolfe, mais habituado ao teatro que ao cinema. A cenografia é mal aproveitada pela câmera de Wolfe, mas o espaço de cena ao menos é dominado por essas duas grandes presenças de tela. 

Disponível na Netflix.


A maturidade de Soul e sua etérea trilha sonora

Soul tinha tudo para ser uma espécie de Divertidamente 2.0, mas a animação de Pete Docter e Kemp Powers (que roteirizou Uma Noite em Miami) mirou mais alto e conseguiu evocar uma mensagem mais abstrata que de costume, evitando grandes simplificações e esbanjando maturidade. Trata-se de uma jornada interior realmente encantadora e capaz de indagar seu público acerca de questões essenciais, mas nem sempre óbvias.

Para a construção dessa atmosfera mais contemplativa, o talento de Trent Reznor e Atticus Ross é seminal, ao entregarem composições etéreas e minimalistas, fazendo um contraponto às composições de jazz criadas por Jon Baptiste. O contraste entre as abordagens musicais faz jus às idas e vindas vividas pelas personagens principais enquanto atravessam por diferentes planos e estados físicos nesta grande obra da Pixar.

Disponível no Disney+.


As grandes interpretações de Vanessa Kirby e Ellen Burstyn em Pieces of a Woman

Vanessa Kirby esteve presente em alguns dos maiores blockbusters recentes, entre eles Missão Impossível: Operação Fallout, mas emergiu como uma grande intérprete no cinema neste projeto de Kornel Mundruczo e Kata Weber, ganhando o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza em 2020. E não posso dizer diferente: Kirby tem um enorme talento ao compor sua personagem atormentada pela perda. 

Melhor do que isso, a veterana Ellen Burstyn faz frente com a atriz em uma sensacional atuação, especialmente em seu monólogo (vocês saberão qual). Pieces of a Woman pode estar diante de complicações na temporada devido às alegações envolvendo Shia LaBeouf, mas o embate entre as duas grandes atrizes não deve ser esquecido já que representa uma das últimas grandes cartadas da Netflix nesta Awards Season. 

Disponível na Netflix.


O elenco uniformemente sólido de Uma Noite em Miami e sua diretora de primeira viagem

Carregado por seu elenco de jovens atores em ascensão, Uma Noite em Miami não deixa destaques individuais, já que cada peça é crucial para o funcionamento da dinâmica que se desenrola em grande parte dentro de um quarto de hotel ordinário. Kingsley Ben-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge (de O Homem Invisível) e Leslie Odom Jr. devem disputar o SAG de Melhor Elenco desde já.

O que de fato surpreende é a confiança que a diretora Regina King demonstra em sua estreia como diretora, criando esse espaço apertado, extremamente masculino e repleto de tensão e navegando por ele com uma simples, mas eficaz mise-en-scene. King deve ser reconhecida pela Academia quando chegar a hora, e aparentemente a cineasta já está trabalhando em seu segundo longa.

Disponível no Amazon Prime Video.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.