Crítica: Mindhunter (1ª Temporada)

Crítica: Mindhunter (1ª Temporada)

Produções de investigação ou ação policial em seriado podem às vezes ser cansativas por possuírem estruturas narrativas repetitivas, e raramente aparece alguma coisa ou outra que difere do molde. Digamos que a nova série criada pelo roteirista Joe Penhall e produzida e dirigida por David Fincher não apenas revoluciona a elaboração do enredo de uma série investigativa, usando do suspense como um elemento importante na construção da história, como também alia excepcionalmente conhecimento e técnica.

Passando-se em 1977, nos primeiros dias da psicologia e perfil criminais no Federal Bureau of Investigation, a série gira em torno dos agentes do FBI Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt McCallany), que entrevistam assassinos em série presos com fins de entender como esses criminosos pensam, depois aplicando esse conhecimento para resolver os casos em curso. É baseado no livro best-seller do New York Times, Mindhunter, que relata os anos que John Douglas passou perseguindo serial killers e estupradores, desenvolvendo seus perfis para prever seus próximos passos. A série então discute alguns de seus casos mais conhecidos, como o homem que caçava prostitutas no Alaska, o assassino de crianças de Atlanta e o matador de Green River. Porém, elaborando mais do que apenas um ensaio sobre esses casos, a série conta com os melhores recursos audiovisuais disponíveis em sua realização, tornando-se uma definitiva obra-prima da televisão.

A começar pela caracterização de seus personagens principais (Holden e Bill), vemos que ambos são multidimensionais, aprofundados psicologicamente. Conhecemos suas vidas, seus gostos, suas preocupações, o que gera uma simpatia (senão empatia) pelos investigadores, independente de suas ideologias. Logo mais, a personagem Wendy Carr (Anna Torv) também entra nessa lista. Os três são concebidos em cima de acertos e falhas, que além de destoar da infalibilidade tão presente em personagens do tipo, traz um ar bem realista à série.

O enredo estimula o expectador com um tratamento diferenciado do tempo explorado nas cenas mais mundanas, que é no mínimo uma novidade bem interessante. Dá pra perceber que a direção, embora compartilhada por vários diretores entre os episódios, em nenhum momento procura conduzir suas cenas resumidamente ou de maneira acelerada (um recurso muito usado em filmes e séries para que o tempo do episódio seja reduzido). Esse tempo “estendido” das cenas é muito eficaz por dar destaque para os diálogos densos dos personagens (evidenciados pela captação de som seca, quase sem ambiência). Mas o mais curioso, é que por conta da competência da montagem, esses trechos, ainda que extensos, não se tornam entediantes, pois os cortes são implementados no momento perfeito, deixando tudo dinâmico e prazeroso aos olhos de quem assiste.

“Intrigante” é uma palavra que define bem a maneira como o desenvolvimento das investigações e da pesquisa dos agentes se dá ao longo dos episódios. Acompanhamos o desenrolar de alguns casos criminais como histórias isoladas (ao lado de arcos de personagem), enquanto a história principal se mantém intacta, sem ficar de segundo plano. O que conserva o interesse do público é claramente o próprio roteiro, mas o que chama a atenção de seus olhos é o apelo visual da série. O design de produção traz cenários, objetos e figurinos fiéis à década de 70, todos dentro de uma paleta de cor fria, que abusa do branco, cinza, preto e bege, e também percorre tons azulados e esverdeados.

Além de toda essa arte vistosa, o maior destaque sem dúvidas vai para a fotografia e para a direção. O diretor de fotografia Erik Messerschimdt se mostra um dos mais confiáveis profissionais na área, fazendo jus ao viés artístico da imagem, provendo movimentos de câmera suaves, secos e pontuais, além de ótimos enquadramentos. A iluminação também faz sua parte ao mesclar luzes duras e difusas perfeitamente, fazendo um bom uso de sombras que denotam a profundidade da mente dos personagens. E a direção ganha mérito em cima disso, por organizar todo o roteiro numa decupagem de planos direta e envolvente.

Mindhunter é um espetáculo em todos os sentidos. As interpretações impecáveis e a fecunda trilha sonora fazem a festa do público. Expressões naturalistas dos atores junto à músicas diversificadas da época deixam tudo mais saboroso do que já é. Mais uma distribuição original da Netflix, desta vez produzida por Charlize Theron e David Fincher, que veio para abraçar os corações calorosos dos fãs do filmes do último, e confirmar que o homem (que dirige os dois primeiros e os dois últimos episódios) continua infalível, com uma das mais valiosas filmografias deste século.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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