Crítica: Thor – Ragnarok

Crítica: Thor – Ragnarok

O melhor a se fazer, antes de assistir a qualquer filme, é estar com a mente aberta. Ainda assim, admito que queria ter visto um filme ótimo em Thor: Ragnarok. O motivo para isso é minha admiração pelo talento do diretor Taika Waititi (O que fazemos nas sombras), e, apesar de ver outros blockbusters falharem nas mãos de diretores indie, talvez a pegada assumidamente cômica prometida pelos trailers de Ragnarok indicasse que o cineasta neozelandês estaria à vontade com o material.

Infelizmente, há o elefante na sala chamado Marvel Studios. Não me entendam mal: curto a maioria dos longas que o estúdio produziu ao longo dos últimos 9 anos, mas tenho que admitir que as coisas estão ficando um tanto repetitivas. Há o humor que nem sempre funciona, um drama que parece simplesmente tacado ali, e, claro, os vilões extremamente superficiais. 2017 apresentou algumas leves evoluções: Homem-Aranha: De Volta ao Lar apresentou um foco maior na construção de personagens, favorecendo também o vilão de Michael Keaton; Guardiões da Galáxia Vol. 2 representou um salto na qualidade visual, com o uso de uma nova câmera e a criatividade ainda mais exacerbada de James Gunn.

E é com certo pesar que anuncio que Thor: Ragnarok é um passo para trás para o estúdio. Não é um filme ruim, longe disso aliás. Mas a razão das minhas altas expectativas acabou por ser o motivo de minha decepção com o terceiro longa do Deus do Trovão. Fica o questionamento: estaria a Marvel contratando diretores menores para favorecer suas vozes ou apenas para ter maior controle sobre suas decisões criativas? Sente-se que Waititi, fosse dada a devida liberdade, poderia ter feito uma comédia realmente a par de seus outros trabalhos, caso não tivesse de lidar com a ação e efeitos excessivos que são praticamente exigidos da Casa das Ideias. Só que, como o reboot do cabeça-de-teia provou, ideias podem ir muito além de visuais coloridos e combates saídos de um videogame.

Vou voltar um pouco: durante Ragnarok, estive entretido com a pegada assumida de desenho animado que Waititi adotou em seu filme. Nada profundo, claro, mas há um clima B bastante agradável, despojado, que nunca se rende à seriedade (o fim do mundo está bastante explícito no título!). Chris Hemsworth está mais carismático que nunca no papel de Thor, e Tom Hiddleston também brilha como o traiçoeiro Loki. Mas está faltando aquilo que mais desejamos num universo compartilhado: o avanço da história para novas possibilidades. Desde o começo, fica claro que Ragnarok está aí apenas para preencher uma lacuna na história de um personagem que, em sua versão cinematográfica, não apresenta um cânone interessante.

Ainda assim, estou evitando entrar em maiores detalhes do enredo. Como em toda aventura épica, existe ainda um prazer em ver cantos novos do universo que a Marvel concebeu. Afinal, além de Cate Blanchett como a vilã Hela, a grande parte dos fãs e público no geral está animada por um motivo em especial: Thor vs Hulk. O resultado, então, é misto. A luta sofre de um uso excessivamente carregado do CGI, sem muito peso ou impacto, apesar de contar com boas tiradas cômicas. Aliás, o embate chega a ser mais breve que o que tiveram em Vingadores, onde ainda havia um capricho técnico que mesclava bem a computação com efeitos práticos (aka reais).

No entanto, se o verdão não brilha nas cenas de ação (se é que alguém brilha), sua participação na história está entre os pontos altos. Hulk, o monstro, toma um tempo considerável de tela, mostrando-se, para a surpresa de todos, como uma criatura amigável, apesar de um pouco lenta no raciocínio. Suas interações com Thor e a Valquíria encarnada pela carismática Tessa Thompson (Westworld) serão alguns dos trechos favoritos do público. Já sua contraparte humana, Bruce Banner, também rende ótimos momentos na pele de Mark Ruffalo, charmoso como sempre. É realmente divertido vê-lo, em toda sua participação, vestindo as roupas justas de Tony Stark, com direito a camiseta de Duran Duran debaixo do blazer e calça skinny.

Blanchett por sua vez, diverte apesar da personagem rasa. A versátil atriz mostra que pode se segurar até mesmo se baseando em um material fraco, com caras e bocas assumidamente exageradas. Uma pena que tenha tão pouco tempo útil em tela, limitada a discursos e mais discursos vilanescos sem nunca fazer algo do tipo (é um filme família, afinal). E o uso de computação também deixa Blanchett na mão: há claras cenas em que a atriz usou uma dublê de corpo digital, e sua cabeça parece, em muitos momentos, flutuar… Pennywise?

E já falei de Jeff Goldblum? Bom, não há muito o que dizer além de: Jeff Goldblum. Há também, como ele, algumas participações especiais inesperadas. Uma delas, inclusive, pode ser estranhada por sua conexão nebulosa com as tensões que Hollywood atualmente vive (adivinhem). Outros rostos conhecidos da franquia também voltam, mesmo que brevemente, como Sir Anthony Hopkins e Idris Elba.

Visualmente, Ragnarok é inconsistente (como já podem dizer pelas críticas acima). Há sets bem produzidos, figurinos razoavelmente criativos e criaturas adequadamente estranhas. Mas a inexperiência do diretor Waititi com projetos nesta escala traz sérias limitações aos demais momentos de ação. Dá pra entender tudo claramente (ufa), mas não há muita inventividade nas situações e como elas se dão, culminando no que é facilmente o ato final mais fraco de um filme da MCU desde o primeiro Thor. Ao menos Kenneth Branagh e Alan Taylor, diretores dos longas anteriores do herói, já possuíam um domínio técnico considerável para fazer o alto orçamento valer em imagens. Aqui, temos “fim do mundo” do título visto de longe e bastante breve, durando cerca de 30 segundos.

Porém, Waititi compensa a falta de força técnica nas interações entre os personagens, algo que, como provado em De Volta ao Lar, pode valer mais que qualquer explosão. Os combos formados pelo elenco são quase sempre simpáticos, garantindo, se não risadas, um sorriso constante no rosto do espectador que aceitar a falta de ambição da história. A trilha sonora de Mark Mothersbaugh (LEGO Ninjago), por sua vez, apresenta um estilo retrô agradável, apesar de recorrer aos batidos temas anteriores de Patrick Doyle e Brian Tyler.

Thor: Ragnarok é, portanto, como uma refeição do(a) (inserir lanchonete fast-food de sua preferência). Não tem como não saber pelo que está pagando: satisfação momentânea, seguida por um bocado de fadiga. Agora imaginem isso pela 1.600ª vez*. Queremos mais que isso, não? A diversão, pelo menos, é garantida.

*Estatística elaborada a partir da razão lanche/filme de 100:1.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.