Crítica: Museu
Passado roubado, futuro incerto
“Esta é uma réplica da história original”. O aviso peculiar que antecede o início de Museu dá o tom do que vem a seguir. O longa dirigido por Alonso Ruizpalacios, vencedor do prêmio de melhor roteiro no último Festival de Berlim, transforma em obra cinematográfica um caso acontecido no México durante os anos 80, e para isso utiliza uma linguagem grandiosa, na intenção de nunca se aproximar de uma reconstituição fiel, mas sim se assumindo como um filme de ficção, repleto de humor e momentos de ação.
Da estética dos créditos ao uso da trilha sonora orquestrada, passando pelos planos abertos simétricos e os ocasionais zoons da câmera, o longa parece ter sido feito em outra época. A escolha é coerente, já que a trama gira em torno de heranças culturais e artísticas e o modo em que a sociedade contemporânea as encaram. No mundo dominado por atrações para serem vistas no conforto do sofá ou até nas telas minúsculas de celulares, alguém poderá argumentar que a própria gramática visual clássica do cinema já é um artigo de museu, assim como as relíquias maias surrupiadas no filme.
Gael García Bernal (do recente Estás Me Matando Susana) interpreta Juan Nuñez. O ator de 40 anos segue confortável no eterno papel de jovem adulto, e aqui vive um rapaz ainda morando com os pais, que não é levado muito a sério pela família. Enquanto correm os preparativos para a ceia de Natal, Juan está impaciente e, movido pelo espírito anárquico, causa o caos ao contar para uma das crianças a verdade sobre o Papai Noel. Além disso, sabe que terá de antecipar seu ambicioso plano de roubar o Museu Nacional de Antropologia para aquela noite, e convence o amigo e comparsa Benjamin (Leonardo Ortizgris) a acompanhá-lo.
Por sinal, é Benjamin o narrador da história. Seu relato, marcado por uma plena admiração ao feito que alcançaram, ajuda a dar um clima épico à empreitada. A longa sequência do crime é rica em detalhes, ao mesmo tempo em que segura a tensão por todo o período. A essa altura já estamos conquistados pelo carisma da dupla e pela dinâmica, que se assemelha a de dois irmãos se provocando e também cuidando um do outro ao mesmo tempo.
O roubo se prova a parte mais fácil do esquema. Juan e Benjamin pensavam que seria simples vender os objetos e levantar dinheiro rapidamente, mas logo percebem que nenhum comprador estaria interessado em se envolver com o maior roubo da história do país. Assim, partem numa viagem sem destino certo, carregando o passado mexicano nas malas, mas sem saber o que fazer com aquela bagagem. Trata-se de um dilema altamente simbólico.
Dono de uma das culturas mais ricas do mundo, pelo menos em termos de História, o México convive com a desigualdade social e a violência, uma realidade muito próxima à brasileira. E ainda tem uma relação nem sempre amigável com os vizinhos do andar de cima, os Estados Unidos – por quem o personagem de Bernal demonstra claro desprezo, em diversas ocasiões.
Em termos de cinema, no entanto, são uma potência cada vez maior. Basta lembrar que nos últimos cinco Oscars quatro vezes o prêmio de melhor diretor foi para um cineasta mexicano (Alfonso Cuáron, Guillermo Del Toro e duas vezes Alejandro G. Iñarritu). Museu é mais uma demonstração desta ótima fase.