Crítica: Nasce Uma Estrela
Por trás da fama
“Música é essencialmente qualquer nota entre doze oitavas. Doze notas e a oitava em repetição. É a mesma história contada de novo, e de novo. Tudo que um artista pode oferecer ao mundo é como ele vê aquelas doze notas”. A frase, dita pelo personagem de Sam Elliot no dramático final de Nasce uma Estrela serve como justificativa para a existência do próprio filme, a quinta versão para cinema de uma história que foi levada para a tela grande pela primeira vez em 1932.
Estreando na função de diretor, Bradley Cooper (três vezes indicado ao Oscar de melhor ator) mostra que tem visão e algo a dizer. Seu longa é um retrato dos bastidores da fama com pouco glamour e muita dor, conduzido por uma câmera sempre em movimento capaz de mergulhar na intimidade dos dois protagonistas, feitos com extrema dedicação pelo próprio Cooper e por Lady Gaga, em atuações seguras.
Ele interpreta Jackson Maine, um astro do country-rock famoso pelo comportamento destrutivo. Ela é a garçonete Ally, garota humilde e talentosa que alimenta o sonho de ser reconhecida como cantora e compositora. Os destinos de ambos se cruzam e o encontro muda suas vidas. A fórmula é bastante conhecida, mas o remake trata de atualizar alguns elementos para se adequar ao momento atual.
O primeiro deles é o local no qual Ally costuma se apresentar, onde Jackson o conhece: um clube de Drag Queens. Outro é a maneira com a qual a jovem se torna conhecida, a partir de um vídeo de sua performance que viraliza na internet. Se até o século passado o caminho para a fama tinha mais escalas, agora ele acontece em velocidade supersônica, com pouco tempo de adaptação para os envolvidos. Justamente por isso, as turbulências podem chacoalhar qualquer um.
Apesar da presença marcante de Gaga em cena, que poderia trazer mais atenção que o filme em si, Bradley Cooper tem o grande papel de sua carreira até aqui. Como preparação, ele passou uma temporada na cola de Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, alguém que já viu de perto a música dar vidas e tirá-las na mesma proporção. Vale lembrar que Vedder é o único ainda vivo entre os líderes das principais bandas do movimento grunge (Nirvana, Soungarden, Alice in Chains e Stone Temple Pilots).
O ator constrói então um homem quebrado por dentro, cujo sofrimento não é mero discurso para compor imagem, mas algo palpável, muitas vezes degradante. A junção de sua voz rouca com a potência de Gaga causa arrepios, como na primeira vez que mostram ao público de um dos shows a música “Shallow”, sequência entre as mais emocionantes do cinema em 2018.
O roteiro, escrito por Cooper em parceria com Eric Roth e Will Fetters, bate repetidas vezes na tecla da importância de encontrar sua verdadeira essência para produzir arte que não seja descartável. Este mantra paira em torno de Jackson como um fardo, ao mesmo tempo em que é o que lhe atrai na nova companheira. Ela é talento em estado bruto, algo capaz de reacender a chama nele, mas também de frustrá-lo quando suas escolhas de carreira não lhe agradam.
Além de história de amor, Nasce Uma Estrela também é fundamentalmente sobre uma relação de mentor e pupila. É dentro disso que acontecem alguns dos maiores conflitos de sua trama.
Mesmo quando trata destes momentos mais tensos, o longa evita cair no dramalhão, ajudado por uma edição ágil, às vezes vertiginosa, representando o caos interno de seus personagens. Para estes, a vida no palco é, além de uma busca pela verdade da alma, um porto seguro capaz de fazê-los esquecer de suas inseguranças.