Crítica: O Espaço entre Nós

Crítica: O Espaço entre Nós

Por Fernando Pivotto

Um dos condicionantes fundamentais da viagem interplanetária é a relação tempo-espaço. As distâncias entre lá e cá são tão imensas que o tempo que leva para percorrer o espaço entre estes dois pontos é um fator impeditivo.

Um dos condicionantes fundamentais de assistir a uma obra de ficção é a suspensão da descrença. Isso significa que a plateia aceita, voluntariamente, a aceitar como verdadeiros e verossímeis todos os fatos presentes na história. A gente aceita feliz da vida, por exemplo, que existe um alienígena com um S no peito e que sai voando por aí. Ou que a gente pode atravessar uma parede secreta de uma estação inglesa e entrar num mundo mágico. E, com muito esforço, muita boa-vontade e muita generosidade, a gente até aceita que nem tempo nem espaço existem.

Se você conseguir aplicar sua suspensão de descrença a ponto de considerar que uma viagem daqui até Marte é o equivalente futurista de pegar um metrô e descer na estação seguinte, então talvez O Espaço Entre Nós seja um filme que te agrade muito. Se não, então você vai adorar essa crítica.

A trama do filme é, curiosamente, ao mesmo tempo muito simples e muito complicada. Basicamente, a chefe da primeira expedição colonizadora de Marte embarca sem que a NASA saiba que ela está grávida (suspensão de descrença, suspensão de descrença) e morre ao dar à luz um menino que, por ser gestado num planeta com condições muito diferentes das da Terra, jamais poderá sobreviver na nossa gravidade. Assim sendo, o jovem Gardner Elliot passa 16 anos de sua vida ilhado no planeta vermelho, tendo como companhia alguns robôs e cientistas espaciais que transitam pela colônia terrestre estabelecida.

Aos dezesseis, e sofrendo da crise de adolescência comum entre terráqueos e marcianos, o garoto insiste que deve voltar para a Terra para conhecer seu pai biológico e a garota com quem ele conversa via Internet todos os dias e é seu único contato com o “mundo real”, mesmo que ele não sobreviva à viagem.

Os problemas do filme estão justamente na agilidade com que tudo acontece, sem que o tempo de preparação, o tempo do fato, e o tempo das consequências sejam sentidos adequadamente. Todo o prólogo que narra o início da missão especial e o nascimento de Gardner é corrido, sem ritmo. Numa cena vemos a tripulação de exploradores (embora só três, no máximo, tenham nome e falas), na outra vemos que Sarah Elliot está grávida, na outra nos contam que isso é um problema, na seguinte ela morre, e logo depois Gardner já tem 16 anos. Embora entenda que o filme não está interessado nessa primeira parte da história, e que ele prefira elaborar a relação de Gardner (Asa Butterfield) com a namoradinha Tulsa (Britt Robertson) na Terra, essa escolha de roteiro me fala muito pouco sobre os personagens a ponto de torná-los rasos.

Eu não sei quem é essa grande astronauta que está liderando a primeira missão para Marte, a ponto de não entender como e porque ela foi grávida na viagem (ela está fugindo de alguém? Ela quer ter esse filho? Ela esperava que ninguém descobrisse?), nem sei quem são os tripulantes que ficam cuidando do bebê depois que a mãe morre no parto (Alguém sabe cuidar de criança? Como eles o alimentaram sem leite materno, ou como o medicaram sem remédio infantil? Eles estão confortáveis em cuidar de uma criança que é um segredo que a NASA insiste em manter a sete chaves? Como eles lidam sem a líder do projeto? E as pessoas que vão para a estação nos dezesseis anos seguintes, ninguém nunca estranhou um moleque em idade escolar correndo pelos campos de um planeta não-habitável?). E quem é a garota por quem ele é apaixonado?

Outras questões surgem, como por exemplo: se o garoto é um segredo sem precedentes na história da NASA, e um dos maiores riscos do sucesso da missão, como eles decidem trazê-lo de volta para a Terra depois de uma única reunião, sem maiores consequências? Por que, na primeira metade do filme, eles falam que a opinião pública vai massacrar a agência por ter exportado um feto, se esse problema não é abordado na segunda metade, quando o fato de torna de conhecimento público?

Mas falemos do problema principal do filme: Gardner não sobrevive na Terra, ponto. Toda a preparação que é feita para a viagem do garoto, desde a manipulação da densidade de seus ossos (isso é possível? É doloroso? A recuperação dele é lenta? Por que a Nasa investiria tanto nele? Não sei, o filme não mostra) até os  exercícios para preparar o coração do menino que é muito grande para a Terra (juro! Essa é a metáfora do filme!) são exibidos tão rápido que se algum personagem não dissesse que se passaram sete meses desde a última vez que Gardner e Tulsa se falaram, o espectador jamais saberia – ou sentiria as dificuldades e o preço pago pelo garoto para realizar seu sonho.

É por isso que a trama é ao mesmo tempo super simples e super complexa. Para tentar dar um ar de novidade à história batida do amor adolescente impossível, o roteiro cria problemas grandes demais, que nem ele sabe responder – e os coloca de lado na primeira oportunidade.

Se eu não sei a dor e o sacrifício do herói da história, como vou valorizar quando/se ele conseguir sua recompensa?

Nada, absolutamente nada no filme tem gravidade (trocadilho proposital). Gardner consegue fugir do laboratório terrestre da NASA, mostrando-se mais inteligente, ágil e determinado do que uma equipe de seguranças e cientistas. Mesmo tendo que viajar o país usando carros roubados, nem os cientistas nem a polícia os encontram até que seja fundamental para a resolução do conflito – e quando isso acontece, é num deus ex machina bem desajeitado.

Contudo, se você desencanar desses entraves de verossimilhança, e considerar que viajar de Marte pra Terra e vice-versa é só uma questão de dar um pulinho até a esquina, sem se preocupar com o treinamento, a logística e os custos da operação toda, talvez veja a beleza nesse road movie de formação. O casal adolescente tem carisma o bastante pra tornar a história motivadora, e a fotografia da Terra, em contraste com a de Marte, é eficiente para transmitir a sensação de deslumbramento de alguém que nunca esteve por aqui.

Se a sua suspensão de descrença for grande o bastante pra cobrir os espaços entre os furos do roteiro, quem sabe você não vê alguma beleza nisso tudo?

FICHA TÉCNICA
Direção: Peter Chelsom
Roteiro: Allan Loeb
Argumento: Stewart Schill, Richard Barton Lewis, Allan Loeb
Elenco: Gary Oldman, Carla Gugino, Asa Butterfield, Britt Robertson

Redação

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