Crítica: O Homem nas Trevas 2

Crítica: O Homem nas Trevas 2

Não há nada como uma sequência que entenda o apelo de seu longa original. Muito mais do que reciclar o código fonte, a continuação ideal expande ideias sem trair sua lógica interna, mesmo quando tal expansão corre o risco de descaracterizar a premissa. Aliens: O Resgate é um bom exemplo disso, introduzindo códigos do cinema de ação à mistura sem nunca minar o senso de ameaça dos alienígenas xenomorfos. Mesmo que evite se repetir, O Homem nas Trevas 2 se junta a Sicario: Dia do Soldado no time de continuações que não entendem seus precursores, fazendo transições bruscas e muito mais genéricas para acomodar fórmulas quase incompatíveis.

O Homem nas Trevas, o original de 2016, partia de uma premissa muitíssimo interessante: e se a figura do assassino imbatível fosse cega? Trata-se de uma inversão e tanto do capacitismo dentro de público geral, ao trazer uma narrativa de invasão domiciliar da perspectiva dos invasores, que mal sabem que o velho cego do qual tentam roubar se trata de uma verdadeira máquina mortífera, cuja maior limitação – a cegueira – logo se mostra como uma de suas forças. Neste segundo filme, a subversão se torna numa mera fantasia de ação, remetendo a Fúria Cega (1989), de Philip Noyce.

Inadvertidamente colocando o Homem Cego (Stephen Lang) no posto de herói que deve resgatar sua jovem protegida, a extrema adversidade enfrentada pelos três protagonistas do primeiro filme deixa de existir, restando um longa de ação no qual sempre sabemos que o “mocinho” triunfará de maneira quase inacreditável sobre os vilões. Não há mais o suspense nem a desesperança do ótimo filme do uruguaio Fede Alvarez aqui: esperamos que as situações se reconfigurem para que a figura do Homem Cego sempre tenha uma carta na manga, do começo ao fim. O herói está predestinado ao sucesso.

Não é à toa que a melhor cena de O Homem nas Trevas 2, desta vez dirigido por Rodo Sayagues, roteirista do filme original, seja a única que assume um ponto de vista diferenciado, tomando a perspectiva da garota que o Homem Cego acolheu no intervalo entre o primeiro e segundo filmes. Breve instante no qual existe uma exímia atenção ao espaço, com uma construção tridimensional da ameaça de outra invasão domiciliar, trata-se de uma demonstração de força da direção que deixa a impressão inicial de uma obra muito melhor, o que infelizmente não se concretiza até o fim.

Está logo no abandono desse primeiro espaço o momento no qual o filme de Sayagues passa a caminhar em círculos ao redor de si mesmo, sem conseguir extrair tensão sequer de suas situações. Com um obstáculo aparentemente intransponível à sua frente, sem senso de direção ou saber para onde ir em seguida, o Homem Cego logo supera suas condições de forma extremamente conveniente ao roteiro assinado por Alvarez e Sayagues. A partir daí sabemos exatamente como cada uma das ações se resolverá, implicando em tentativas fúteis de criar dúvidas acerca do sucesso ou não do protagonista.

A maior limitação de O Homem nas Trevas 2, contudo, está na falta de uma corajosa perspectiva acerca das implicações morais das ações de seu protagonista. Ao invés de explorar o senso deturpado de moral e família que poderia se formar como consequência destas ações, o filme investe em mais um típico conto sobre um salvador falho em uma inevitável busca por redenção, transformando o assassino e estuprador inveterado do primeiro longa em mais uma figura trágica, um pobre diabo à procura de salvação. É uma sequência que evita se repetir, mas que acaba criando novas armadilhas.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.