Crítica: O Nascimento de uma Nação

Crítica: O Nascimento de uma Nação

Existem tipos de filmes que consideram mais seu valor do conteúdo ou a tentativa de introduzir certo discurso, do que a forma como este discurso será transpassado. O Nascimento de uma Nação é um destes filmes.

Estreia na direção de Nate Parker, que também assinou o roteiro, O Nascimento de uma Nação conta a história de Nat Turner, interpretado também por Nate Parker, um escravo que aprendeu a ler, e que tem como seu principal livro, a Bíblia. Nat prega a palavra para seus companheiros também escravos, e depois será usado pelo seu dono, Samuel Turner (Armie Hammer) para acalmar escravos de toda a região que se rebelam contra seus proprietários. Mas no caminho para estas fazendas, Nat vê o pior das atrocidades cometidas para com seus companheiros escravos, e decide contra-atacar e liderar um movimento de libertação do seu povo.

Este filme é, em seu maior bloco, um melodrama histórico. Muitos diretores e diretoras optam por fazer uma narrativa mais melodramática para discorrer sobre momentos muito, ou tão historicamente impactantes como este, e tantos outros. Nate Parker não fez diferente. O filme, até pouco antes do início de seu terceiro ato, é um típico melodrama cinematográfico convencional do século XX: procura efeitos fáceis de seu público, seja através de choque ou que levem ao choro com certo sentimentalismo.

Nessa área, o filme de Nate Parker vai bem, mas sem brilhos. Seu personagem, Nat, é carismático e consegue gerar empatia com naturalidade, principalmente quando se mostra vulnerável perante a beleza de Cherry (Aja Naomi King). Este romance será parte do melhor e do pior da vida do protagonista. Em ambas as frentes, até o começo do terceiro ato, esse melodrama que se divide entre a veracidade de mostrar fatos históricos e criar um ambiente para comoção individual (mas com viés de relevância social) mostra-se capaz e bem funcional.

O diretor e protagonista consegue tirar alguns bons momentos de seus atores, e em outros, sua direção se mostra mais frágil, incluindo a si mesmo. A cena de um sermão mais fervoroso após testemunhar alguns companheiros sendo humilhados e torturados de maneira excessivamente violenta, é um exemplo de uma força maior em sua atuação.

Parker também apresenta acertos, e alguma habilidade, em escolhas de planos e uso da iluminação, de acordo com o tipo de filme que tem em mãos.

Contudo, em seu ato final, O Nascimento de uma Nação não se mostrará capaz de elevar a importância de seu discurso ou mensagem, além das expectativas almejadas por seu diretor, que foi corajoso ao nomear seu filme com o mesmo nome do filme-propaganda pró-Ku Klux Klan, de 1915, do diretor D.W. Griffith.

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Na história do filme, o segundo ponto de virada acontece após um acúmulo de tragédias e açoitamentos cometidos com seu protagonista, e este, após tais acontecimentos, começa a perceber e encontrar uma nova interpretação para ele, através das palavras sagradas de Deus. Esta motivação, aliada a um daqueles antes ditos frágeis momentos de atuação de Nate Parker, começam a diluir a potencialidade da mensagem.

Além disso, o pré-clímax, e consequentemente, clímax com a rebelião dos escravos, liderados por Nat Turner, são apresentados de maneira muito breve, sem a grande elaboração atmosférica que um momento relevante como este merece.

Em sua parte final, temos apenas dor, sofrimento e um banho de sangue que não consegue ir muito além do choque, pela violência desmedida das cenas.

Parker e seu O Nascimento de uma Nação perdem a chance de erguer, com maior eficácia, uma boa peça para um debate que é cada dia mais relevante nos tempos atuais. Ainda mais na América, que este ano teve casos de mortes de cidadãos negros por uma suposta violência da força policial (que é predominantemente branca em sua força) que por consequência, também sofreu represália, levando policiais negros e brancos à morte.

Parker, que ainda é jovem e tem um futuro à frente, pode sem dúvida elaborar bons trabalhos, mas aqui, algo que lhe faltou em O Nascimento de uma Nação foi perceber que para conseguir a reflexão, não basta explicitar a grandiloquência violenta do acontecimento, mas acima disso, exaltar o fator binário desta. A dualidade da situação tem maior munição para gerar uma consciência reflexiva, que pondera e equilibra os acontecimentos. No final do filme, Nat Turner não demonstra qualquer forma de brandura perante quem um dia foi seu amigo na infância, e hoje é seu proprietário, mesmo por que este é filho da mulher que o ensinou a ler (talvez ela, interpretada por Penelope Ann Miller, a única pessoa branca não desprezível no filme).

Tudo o que temos ao final é uma ação de violência dos brancos aos negros, e uma reação destes de volta, e vice-versa.

Sem entrar nos méritos de bom ou ruim, em filmes como: Histórias Cruzadas, onde a personagem da empregada interpretada por Viola Davis sente o pesar de trabalhar para o tipo de pessoas que deixaram seu filho morrer, e a dor de largar seu emprego aonde cuidava com muito carinho de uma menininha; ou 12 Anos de Escravidão, onde o dono de uma fazenda é confrontado por um homem como ele, branco, que fica perplexo com a maneira bruta que este trata seus escravos; ou até Django Livre, onde o protagonista que busca vingança tem como seu parceiro e instrutor um homem branco que abomina o comportamento de supremacia branca. Todos estes só elevam a ideia de uma reflexão mais ampla e eloquente, e não tão unilateral.

Nate Parker sabia que, em uma cena de seu filme, conseguiu tal feito na cena de duas meninas, uma branca e a outra negra, brincando em uma das visitas de Nat Turner pelas fazendas para pregar aos escravos. A necessidade de espetacularizar com excessivo sofrimento e sangue torna-se menor diante do quadro da pureza de duas crianças e uma corda.

FICHA TÉCNICA
Título Original: The Birth of a Nation
Direção: Nate Parker
Produção: Bron Studios/Mandalay Pictures/Phantom Four/Tiny Giant Entertainment/Fox Searchlight Pictures
Roteiro: Nate Parker
Gênero: Drama histórico
Duração: 120 minutos
Classificação: 14 anos
Elenco: Nate Parker (Nat Turner); Armie Hammer (Samuel Turner); Mark Boone Junior (Reverendo Walthall); Colman Domingo (Hark Turner); Aunjanue Ellis (Nancy Turner); Aja Naomi King (Cherry Turner); Esther Scott (Bridget Turner); Roger Guenveur Smith (Isaiah); Gabrielle Union (Esther); Penelope Ann Miller (Elizabeth Turner); Jackie Earle Haley (Raymond Cobb)

Alexis Thunderduck