Crítica: PéPequeno
Medo vs. Medo
O medo é o caminho mais curto para manipular uma sociedade. A tese antiga e que segue sendo comprovada na prática diariamente pelos discursos de diversos políticos e figuras públicas ao redor do mundo está no subtexto da animação PéPequeno, dirigida por Karey Kirkpatrick e Jason Reisig.
Num momento no qual os Estados Unidos estão às voltas com os discursos de intolerância de Donald Trump e a enxurrada de “fake news”, muitas delas endossadas pelo próprio presidente conforme lhe é conveniente, a dupla subverte a lenda tipicamente norte-americana do Pé-Grande e a transforma numa fábula sobre a importância de não temer aquilo que é diferente de nós apenas na aparência.
O cenário principal da história é uma comunidade no alto do Himalaia, onde vivem os iétis, estas criaturas que o folclore popular chama de “abominável homem das neves”. O jovem Migo está se preparando para herdar o trabalho do pai, como o tocador oficial do gongo que mantém o funcionamento do local, até que um encontro com um humano, ou “pé-pequenos”, como eles nos chamam, muda sua vida.
Isto porque, ao contrário do que acontece aqui na vida real, no filme os humanos é que são as lendas. A ameaça somos nós e, assim, nós é que somos os responsáveis por causar medo aos outros. E, como é do instinto de qualquer ser que se veja em perigo, a primeira reação é atacar. PéPequeno entende isto, mas acredita que este primeiro impulso seja passível de controlar, em nome de uma convivência pacífica entre diferentes.
Porém, esta mudança não vem fácil e depende de novas formas de pensar. Por isso, o roteiro coloca Migo e seus companheiros em confronto com o ancião de sua aldeia, um sujeito que prega à população supostas verdades incontestáveis escritas em pedra e que continuam a ditar o comportamento local. A crítica fica ainda mais forte quando este personagem “guardião da moral e dos bons costumes” revela a verdade por trás do seu discurso, formado por distorções da realidade em nome de literalmente manter funcionando a engrenagem daquele ambiente.
A mentira, que anda de mãos dadas com o medo, também é o mecanismo de defesa do humano Percy Patterson, um apresentador de programa de aventuras desesperado para reconquistar a audiência na internet e ser amado pelo público novamente. O medo da irrelevância o leva até mesmo a armar uma farsa, explicada em detalhes numa releitura do hit ‘Under Preassure’, de Queen e David Bowie, num dos momentos musicais do longa.
Em suma, PéPequeno tem diversas mensagens importantes, ainda que seus personagens não sejam particularmente memoráveis ou carismáticos. É uma animação que não vai fazer os adultos comprarem itens de merchandising temáticos para seus filhos, mas pode servir de início para uma boa conversa.