Crítica: Suspíria – A Dança do Medo

Crítica: Suspíria – A Dança do Medo

O fascínio de instigar

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Se eu pudesse, não classificaria o novo filme de Luca Guadagnino como um “remake” do clássico de Dario Argento, embora seja assumidamente uma nova versão do filme de 1973. Por fim temos pouquíssimos elementos que nos remetem ao primeiro longa, como parte do enredo e da ambientação, mas fora a inevitável expectativa de superar (ou pelo menos alcançar) o feito de seu antecessor, o filme pouco se correlaciona com o sobrenatural da mesma forma que o filme de Argento, e extrapola sua temática e seu horror para uma experiência diferente, mais sensorial, ousada e fascinante.

A reinterpretação do clássico quase não altera a estrutura de sua sinopse, nos levando a acompanhar a chegada da jovem bailarina americana Susie Bannion (Dakota Johnson) na prestigiada academia de dança Markos Tanz Company, em Berlim, logo após uma dançarina chamada Patricia (Chloë Grace Moretz) desaparecer de forma misteriosa. Sob a orientação da renomada Madame Blanc (Tilda Swinton), Susie logo demonstra uma facilidade impressionante com seus movimentos, enquanto faz amizade com a colega de companhia Sara (Mia Goth), que por sua vez despeja sobre a protagonista suas suspeitas tenebrosas e alarmantes de que a academia abriga na verdade uma seita de bruxas.

Em Suspíria – A Dança do Medo é importante que o espectador abandone qualquer esperança de uma narrativa mastigada ou mesmo de fácil digestão. Aqui, o diretor busca trazer uma visão sombria e interpretativa do relacionamento de bruxas, e seus impactos em outras pessoas. Criando inclusive uma relação entre os movimentos das danças das bailarinas e as contorções de pessoas provocadas pelos feitiços das bruxas, algo nunca nem projetado na obra de Argento.

Onde os diálogos dão lugar aos olhares que antecipam tragédias e acontecimentos misteriosos, todo o clima de suspense e a sensação de que algo está errado se torna crescente, e se externa na macabra trilha musical eximiamente composta por Thom Yorke (vocalista da banda Radiohead), que consegue ser dramática em certos momentos, dar o ritmo da tensão na maioria do tempo, e ainda ser melodicamente agradável em cenas pontuais que remetem alívio.

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Enquanto as interpretações sugestivas de Dakota Johnson e principalmente de Tilda Swinton prendem nossa atenção, o roteiro espelha a ambição das personagens e seus desejos de se destacar diante das demais. Traçando um paralelo com a citação do filósofo Schopenhauer, “o motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar”, podemos notar, no filme, as consequências desse egoísmo em toda a disputa por espaço e holofotes existentes tanto na academia de dança, quanto nos cultos de bruxaria.

Se propondo a fugir do convencional método de se fazer terror, a obra apela para o grotesco e para o fisicamente bizarro nas horas certas, mas não os tornando elementos reféns de artifícios pobres como os jumps scares, porém sim causando estranheza e uma sensação desconfortável que parece nos tornar íntimos da sobrenaturalidade ali presente. Suspíria permite, na maior parte do tempo, que nossa imaginação crie e complete o quadro de elementos que faltam para transitar entre a linha tênue que divide o suspense do terror.

Além do roteiro insinuante (embora não tão conciso) de David Kajganich, também nos sentimos instigados por conta da combinação dos aspectos técnicos e da forma como trabalham em prol da proposta de Guadagnino. Entre eles, é preciso destacar a belíssima (e premiada) fotografia de Sayombhu Mukdeeprom (que também trabalhou com o diretor em Me Chame Pelo Seu Nome), que embora aqui não choque com diferentes iluminações e uma reflexão sobre suas cores, como fez o clássico de 1973, chama a atenção pela composição de seus enquadramentos e movimentos de câmera.

Do terror psicológico e do drama sobrenatural aos conflitos femininos internos, o enredo da obra algumas vezes parece tentar contar mais do que deveria, abordando diversos assuntos ao mesmo tempo. Mas felizmente, nesse caso, não busca se afundar em críticas sociais complexas que cada vez mais se fazem presentes em filmes de terror atuais, muitas vezes se sobrepondo ao próprio propósito do gênero: transmitir medo. Suspíria reserva com carinho cenas tensas e criativas que definitivamente não foram retiradas de uma maleta pronta de referências e clichês.

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João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.