Crítica: Turma da Mônica – Laços
Um brinde à infância
“Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui. A outra metade eu não sei.”. Essa frase de Oswaldo Montenegro escancara uma realidade, e ao mesmo tempo um desejo que é de todos nós. Ou que ao menos deveria ser.
Em tempos de conturbações sociais e um cenário político cada vez com menos aprovação de seu povo, a arte brasileira resiste nas pequenas conquistas de produções acerca de suas cinco regiões. O cinema nacional, pouco incentivado e reconhecido por seu próprio público (como sempre foi), traz no final deste primeiro semestre de 2019, uma memória. Um brinde. E também uma resistência em sua forma mais sutil e verdadeira, se apoiando na série de gibis mais conhecida do país.
O tão aguardado Turma da Mônica – Laços chegou gerando ansiedade e expectativas tanto no público juvenil (para onde o humor e história se direciona) quanto no público adulto, que também possui seu passado com os gibis de Maurício de Sousa. Mas seria possível atingir ou mesmo superar essas expectativas? Sim ou não, o experiente diretor Daniel Rezende estava disposto a arriscar.
Na história, após falhar em mais um plano infalível para pegar o Sansão, Cebolinha (Kevin Vechiatto) percebe que cachorro Floquinho desapareceu. É quando precisa juntar forças de seus amigos Cascão (Gabriel Moreira), Mônica (Giulia Benite) e Magali (Laura Rauseo) para encontrar seu tão amado e verde cãozinho. Aos poucos, as pistas os levam a acreditar que alguém sequestrou o animal de estimação, e o levou para bem longe dali. É quando os quatro amigos, com suas bicicletas, seu instinto juvenil, e sua força de vontade, passam a seguir por uma perigosa floresta para encontrar a afastada casa do sequestrador.
O enredo representa bem os cômicos hábitos e receios dos personagens, fazendo jus às características dos gibis. A fome de Magali continua insaciável, assim como o medo de água de Cascão. Mas no filme, o mais interessante é ver como Cebolinha e Mônica precisam deixar de lado suas diferenças/rivalidades, e passarem a confiar um no outro para conseguirem alcançar seus objetivos.
A direção de atores deixa a desejar e demonstra-se preguiçosa, a exemplo do roteiro que não busca justificar muitas das ações dos personagens, como suas tomadas de decisões. O humor demasiadamente infantil pode cansar alguns espectadores mais velhos. Também incomodam cenas que pouco importam para a trama, e que são alongadas mais do que deveriam. Um bom exemplo é a cena em que Cebolinha se encontra com o personagem Louco, que embora muito bem interpretado por Rodrigo Santoro, toma um bom tempo da narrativa.
Porém é a paleta de cores da direção de arte e a fotografia puxada pra um tom amarelado/esverdeado, que garantem uma qualidade técnica invejável. Os movimentos dinâmicos de câmera transitam em uma linguagem próxima à comercial, com cores fortes e uma iluminação lúdica. Os efeitos sonoros são igualmente precisos e fazem sua presença notável. Sem falar da soundtrack caprichosa, com melodias enternecedoras e nostálgicas que ambientalizam o clima de amizade das quatro crianças.
Em Turma da Mônica – Laços, o que realmente emociona é a busca pela valorização da amizade. A direção transmite bem os sentimentos dos personagens em cenas de drama, suspense e aventura, sempre garantindo que todos os personagens (e atores) estejam em sintonia, sentindo o que o outro sente, seja algo bom ou ruim.
Também valem a pena os ensinamentos que ficam nas entrelinhas, como a importância de cofiar e ouvir o outro, dar voz e respeitar o outro. Reconhecer e prestigiar os esforços das pessoas próximas a nós é algo aparentemente tão simples, porém tão pouco feito de fato, que pequenas mensagens transmitidas por um filme infanto-juvenil pode ser o suficiente para ao menos colocar nossas cabeças para pensar a respeito.
Sem pisar fora do gramado desenhado por Maurício de Sousa, Daniel Rezende aposta em uma história fraca e até clichê, que se sustenta por pequenas cenas do enredo (principalmente em seu terceiro ato) e por conta de seu apelo técnico sublime. Mas obviamente, é inevitável que não pese a nostalgia gerada por esses personagens queridos na memória brasileira.