Crítica: Homem-Aranha – Longe de Casa

Crítica: Homem-Aranha – Longe de Casa

Ser herói na era da pós-verdade

Crítica Homem-Aranha: Longe de Casa

Os acontecimentos no final de Vingadores: Ultimato deixaram um vácuo de poder. Num mundo sem Tony Stark e com o grupo de heróis aparentemente fora da paisagem, o povo vive a expectativa de saber em quem poderá confiar como salvador quando o próximo supervilão resolver colocar a Terra em perigo. Com o trono em aberto, o cenário está aberto para qualquer usurpador que consiga convencer de sua importância a maior parte da opinião pública.

A trama é comum em narrativas de tons políticos, no mundo real e na ficção, e também é um forte subtexto em Homem-Aranha – Longe de Casa. A sombra de Stark e a pressão por saber quem será seu sucessor são elementos fundamentais no roteiro escrito por Erik Sommers e Chris McKenna, que ajudam o diretor Jon Watts a encontrar um equilíbrio entre o clima jovem do primeiro filme solo de Tom Holland como o Cabeça de Teia e um comentário pertinente ao estado atual das coisas.

Não são poucas as referências durante o longa ao tema da pós-verdade, conceito que define a situação na qual fatos objetivos tem menor valor do que apelos às emoções e às crenças pessoais na formação de uma opinião. MJ, a personagem de Zendaya, cita diretamente a ideia de que a verdade passou a ser relativa, enquanto Mysterio (Jake Gyllenhaal) vaticina que a população hoje está propensa a acreditar em qualquer coisa.

Como tantos figurões que buscam se firmar como heróis do lado de cá da tela, o vilão de Homem-Aranha – Longe de Casa é alguém que cria falsas ameaças para as quais ele se diz o único capaz de conter, e assim cair nos braços da população. É algo próximo ao que fazem políticos brasileiros ao citarem o fantasma do comunismo em cada discurso ou falarem de uma epidemia de vício em drogas, rasgando estudos que comprovam cientificamente o contrário.

Não que o filme seja propriamente um thriller político. Assim como a aventura anterior, a personalidade adolescente de Peter Parker (Holland) conduz o ritmo. A perspectiva de substituir Tony Stark lhe representa um fardo, e ele está mais interessado em curtir a viagem escolar para a Europa e conquistar o coração de MJ do que em ser oficializado como o herdeiro do legado do Homem de Ferro.

Como já aconteceu em Capitã Marvel, Nick Fury (Samuel L. Jackson) tem bastante destaque, cumprindo o papel de mentor veterano que em Homem-Aranha: De Volta ao Lar ficou com Robert Downey Jr. Estreando no Universo Cinematográfico Marvel, Gyllenhaal empresta seu carisma natural a um personagem moralmente ambíguo, conseguindo sustentar até mesmo uma longa cena expositiva, na qual o vilão deixa claras suas motivações.

A superprodução ainda reserva dois bons momentos para o desfecho. O primeiro é o tradicional voo do herói disparando teias pelos arranha-céus de Nova York, num jogo de câmeras que coloca o público na mesma posição de sua acompanhante. O segundo, já durante os créditos finais, traz a reaparição de uma figura da trilogia do Homem-Aranha dirigida por Sam Raimi, com direito a uma revelação que deve impactar o futuro da franquia.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil