Crítica: Um Dia de Chuva em Nova York

Crítica: Um Dia de Chuva em Nova York

Fora do tempo

Um Dia de Chuva em Nova York

Um Dia de Chuva em Nova York é um divisor de águas na carreira de Woody Allen. Não pela obra em si – que requenta o estilo habitual do diretor -, mas por ter tido o lançamento cancelado nos cinemas de sua terra natal, os EUA, após o surgimento do movimento #MeToo e a volta das acusações de que Allen teria abusado de sua então enteada Dylan, ainda nos anos 80, durante a união com Mia Farrow.

A polêmica não apenas interrompeu a tradição de o veterano diretor lançar um filme por ano, como chegou a ameçar a continuidade de sua carreira, já que muitas atrizes de Holywood juraram nunca mais trabalhar com ele, forçando-o a realizar seus próximos trabalhos na Europa.

Para quem acompanha Woody Allen, é impossível encarar uma exibição de Um Dia de Chuva em Nova York sem pensar em todo esse contexto. Em tempos de repensar as representações femininas no cinema, o fato da principal mulher em cena ser a ingênua, caipira e deslumbrada Ashleigh Enright (Elle Fanning) não joga a favor do autor, mesmo que, sempre é bom reforçar, ele tenha criado protagonistas fortes como a de Cate Blanchett em Blue Jasmine.

Ashleigh é a namorada de Gatsby (Timothée Chalamet), sujeito típico “woddyalleano”: culturalmente elitista, desajeitado na hora de interagir com terceiros e em constante crise existencial. Quando ela recebe a tarefa de ir até Nova York entrevistar um cultuado cineasta (papel de Liev Schreiber), o rapaz resolve transformar a viagem num passeio romântico, no qual pretende mostrar os lugares mais refinados da cidade para a amada, esteja ela interessada em conhecê-los ou não, o que já denota uma relação desigual.

Ainda que o casal de protagonistas seja formado por figuras erráticas e às voltas com seus defeitos, é nítido que o filme adota uma visão mais favorável a Gatsby, com aquele humor auto-depreciativo que se assemelha ao de um comediante stand-up que faz piadas com si mesmo para se sentir no direito de tirar sarro dos outros, mal disfarçando que nutre um sentimento de superioridade.

Afinal, ao passo que Ashleigh passa o dia com os olhos brilhando enquanto estrelas de cinema tentam tirar uma casquinha dela, orgulhosos da bajulação que recebem, o personagem de Chalamet descobre que as provocações de uma antiga conhecida (Selena Gomez) podem ser apenas a demonstração de uma paixonite mal-resolvida. Essa visão do homem genial e da mulher que apenas passa o tempo suspirando pode soar antiquada para os dias de hoje, mas é coerente num filme que respira nostalgia de tempos mais gloriosos.

Controvérsias à parte, ainda estão presentes no roteiro frases que se equivalem à melhor safra de Allen, como “a vida real está de bom tamanho para quem não tem outra opção”. Pode até ser suficiente para quem está com saudade de ver na tela grande um longa novo do cineasta, já que tudo indica que serão cada vez mais raras oportunidades como essa.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil