Crítica: Um Dia Perfeito

Crítica: Um Dia Perfeito

Há filmes feitos de grandes reviravoltas e emoções intensas, e há outros que se baseiam em pequenos prazeres e nuances. Tendo assistido a Um Dia Perfeito sem nem mesmo ler uma sinopse por completo, tive a felicidade de descobrir que se trata de uma obra classificada na segunda categoria mencionada.

Dirigido e roteirizado pelo espanhol Fernando León de Aranoa (Segundas-feiras ao Sol), o filme narra o percurso de dois dias específicos na vida de um grupo de trabalhadores humanitários, que procuram resolver uma série de situações nos Balcãs nos meados da década de 90, quando o conflito separatista na região, mesmo próximo de um fim, ainda deixava diversos perigos para os locais, como minas plantadas nas estradas e uma série de deficiências em recursos básicos para sobrevivência e subsistência.

A obra começa, criativamente, com Mambrú (interpretado pelo ótimo Benicio Del Toro, que surpreendeu os cinéfilos ano passado em Sicario – Terra de Ninguém), coordenador do grupo de humanitários, tentando retirar um cadáver já em decomposição de dentro de um poço. A partir daqui, conhecemos os outros integrantes do grupo, no qual se destaca o desregrado B, encarnado pelo veterano Tim Robbins, cujo talento cômico tem sido uma constante e agradável surpresa para os fãs do ator em seus últimos filmes. Não que Damir (Fedja Stukan) e Sophie (Mélanie Thierry) sejam apenas pedestres, mas estes dois têm menos espaço para brilhar em meio aos divertidos diálogos, principalmente o primeiro. Completando o elenco, Olga Kurylenko interpreta um antigo affair de Mambrú, que está lá para inspecionar o trabalho do grupo. Apesar de ter alguns bons diálogos, esta é a personagem que mais deixa a desejar em termos de desenvolvimento.

Em aspectos técnicos, Um Dia Perfeito agrada bastante. A fotografia rebuscada de Alex Catalán, que equilibra temperaturas e luzes vibrantes com a morbidez da região e período retratados, beneficia-se também da criatividade visual de Aranoa ao resolver certas situações comuns na vida de seus personagens com pequenas e sutis surpresas, como nos ótimos créditos iniciais e na cena em que Mambrú e Sophie entram em uma casa particularmente afetada pelos conflitos, que se conclui com uma perturbadora descoberta, evidenciada de uma maneira discreta mas ainda mais chocante por isso.

Esta primazia com os detalhes também se encontra no roteiro, que traz uma sequência de episódios quase anedóticos que evitam a aleatoriedade e se conectam de maneira orgânica e envolvente (o aspecto de anedota se deve justamente por se basear em um livro de relatos da trabalhadora humanitária Paula Farias). Por exemplo, a jornada do garoto e sua bola, que tinha tudo para ser apenas uma pequena sub-história, apresenta uma gama variadíssima de emoções e tonalidades.

Esta variedade, aliás, acaba por ser simultaneamente um dos pontos menos favoráveis do filme. Indecisão que se reflete principalmente nas escolhas musicais da obra, que ora são acertadíssimas, ora são simplesmente incompreensíveis e forçadas (o uso do famoso cover Sweet Dreams, de Marilyn Manson, é extremamente discutível no contexto que se apresenta). No entanto, no fim das contas, Um Dia Perfeito acaba por ser maior que a soma de suas partes. Seja por retratar empaticamente o cotidiano pouco visto de trabalhadores humanitários ou por apresentar a mais inesperada dupla cômica que não imaginávamos querer em Del Toro e Robbins, é um filme que nos lembra como a sensibilidade narrativa certa pode contribuir horrores para a impressão que uma obra deixa.

Pontuado por um belíssimo final agridoce (que remete à linda ironia presente no título do livro que o originou, Dejarse Llover), Um Dia Perfeito é uma ótima surpresa cinematográfica e um relato contagiosamente humano de uma situação proveniente dos nossos piores lados.

O filme estreia em 21 de julho no Brasil!

Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.