Crítica: Uma Casa à Beira-Mar
Drama francês aborda tópicos atuais com maturidade e recompensa paciência do espectador, apesar de sua estrutura cansativa
Alguns dramas possuem como maior trunfo a furtividade – filmes cujas pontas se amarram discretamente até que no fim atinjam uma ressonância inesperada. Uma Casa à Beira-Mar, do diretor francês Robert Guédiguian, pode ser descrito desta maneira, inicialmente aparentando carecer de um foco narrativo mas encontrando coerência e força nas observações feitas ao longo de seu lento trajeto.
O roteiro de Guédiguian, co-escrito com Serge Valletti, não possui uma típica estrutura de apresentação, desenvolvimento e ‘payoff’, assim como não se prende a um ponto de vista específico. Após uma cena introdutória que traz Maurice (Fred Ulysse), dono de um restaurante em uma isolada vila à beira-mar, logo antes de adoecer, somos apresentados a seus filhos, que vão ao local para cuidar do pai enfermo e decidir o rumo dos negócios de família – enquanto Armand (Gérard Meylan) está mais alinhado ao estilo de vida pacato de seu pai, sua irmã Angèle (Ariane Ascaride) é uma atriz veterana no teatro e seu irmão Joseph (Jean-Pierre Darroussin) é um diretor de renome mas que foi recentemente demitido. Por um tempo, feridas passadas são abertas, novas tensões são criadas e prevalece a melancolia.
No entanto, o que começa como um drama frio (inclusive com pinceladas de suspense) torna-se uma bela série de reflexões sobre família e especialmente a passagem do tempo, transmitidas através do ritmo paciente e algumas quebras inesperadas, tanto estilísticas quanto narrativas, ainda encontrando espaço para endereçar de maneira tocante a questão atualíssima dos refugiados de guerra na Europa – é interessante notar como dramas franceses recentes (ou ambientados no litoral da França), como Happy End e A Trama, inserem o tópico em meio a tramas bastante particulares.
Apresentando-nos a um microcosmo familiar sem fornecer muito contexto de bandeja, Guédiguian e seu elenco afiado nos conquistam lentamente, deixando o sentimento reconfortante de estarmos entre o que são, inegavelmente, boas pessoas, que mesmo em meio a uma amarga situação conseguem encontrar e deixar florescer seus melhores lados – destaque para o delicado momento envolvendo os pôsteres de Angèle. Apesar da sensação constante de conflito iminente, que se reflete na presença de patrulhas militares na vila, este é um filme otimista e que rejeita (em sua maior parte) soluções fatalistas – mesmo as viradas mais fatídicas são apresentadas com comedimento.
Dito isso, nem todas as escolhas de Guédiguian funcionam tão bem quanto o que é proposto. As transições entre passado e presente representam as já mencionadas quebras de estilo tanto positivamente – em um belíssimo registro da juventude dos atores / irmãos – quanto negativamente – na forma de flashbacks que abordam uma tragédia familiar. A estrutura de vai e vem entre as subtramas pessoais dos irmãos ainda torna a experiência um tanto cansativa e desfocada, fazendo com que seus 107 minutos de duração pareçam, ao menos, mais de duas horas. Há também, próximas ao final, ligeiras inserções musicais não diegéticas (ou seja, que não são originadas do espaço de cena), causando estranhamento quando utilizadas em um filme que até ali valorizava tanto o silêncio e a ambientação natural.
Uma Casa à Beira-Mar ganha forças quando coloca algumas subtramas de lado (como a relação entre um jovem médico e seus pais) e une seu elenco de personagens em uma única boa intenção, e mesmo quando parece desencontrado, o longa se mantém agradável na fotografia vívida de Pierre Milon, que valoriza o azul do céu e do mar e cria uma aura de encantamento para a vila, que está a alguns habitantes de se tornar fantasma. Apesar de algumas pontas frouxas, Guédiguian faz valer o tempo investido e consegue trazer um sentimento forte de renovação, que ecoa em seu poderoso plano final.