Crítica: Z – A Cidade Perdida

Crítica: Z – A Cidade Perdida

Z – A Cidade Perdida, que estreia nesta quinta (1o), é para o ano de 2017 o que o excelente O Ano Mais Violento, de J.C. Chandor, foi para 2015. Trata-se daquele tipo de filme que muitos afirmam não ser feito mais, de estrutura e sensibilidade clássicas. É notável, então, o esmero com o qual James Gray captura o clima dos grandes filmes de aventura hollywoodianos, principalmente da década de 50, e cria uma experiência verdadeiramente imersiva, sem exagerar na nostalgia.

Tem-se aqui a história de Percy Fawcett, militar inglês que é convocado para realizar uma análise topográfica da fronteira entre Brasil e Bolívia, ainda não cartografado. Deixando em casa sua mulher e um filho, Fawcett passa por uma árdua primeira jornada pelo Rio Verde e parece voltar encantado com os mistérios da floresta. Nesta mesma viagem, porém, encontra artefatos que indicam a existência de uma civilização no meio da mata, e logo se encontra obstinado a procurá-la, a qualquer custo. Só que agora, pais de mais dois outros filhos, há um conflito entre sua busca de grandeza e uma vida mais pacata.

A primeira surpresa de Z é seu protagonista, ou melhor, a interpretação deste por Charlie Hunnam. O ator britânico, que começou bem jovem em Queer as Folk e depois se destacou em Sons of Anarchy, até agora não demonstrou o tipo de força que o faria uma estrela (talvez em Rei Arthur). Desta vez, sob condução de James Gray, pode finalmente ter encontrado o início de uma carreira mais séria, não limitada apenas a bons moços em blockbusters. Seu Percy Fawcett talvez siga o arquétipo de mocinho hollywoodiano, mas as sutilezas que Hunnam traz para o papel fazem toda a diferença, permitindo que Z se torne um belo e comedido estudo de personagem.

Não posso deixar de falar do resto do elenco, que está tão comprometido quanto. A começar por Sienna Miller, que faz a esposa de Fawcett, Nina, com bastante força, tornando palpável sua frustração com o papel imposto de mulher da casa, sem nunca acompanhar o marido nas viagens. Há também o cada vez melhor Robert Pattinson no papel do fiel companheiro de Fawcett, George Costin, numa interpretação contida mas muito bem composta. O destaque, surpreendentemente, fica para Angus MacFadyen, no papel de um renomado explorador que decide acompanhar Fawcett em sua segunda viagem, apenas para se revelar um completo covarde, algo que MacFadyen constrói sem nunca descambar para a caricatura. Temos também Tom Holland, o novo Homem-Aranha, no papel do primogênito de Fawcett, mas infelizmente o rapaz não tem muito o que fazer com seu tempo de tela.

Com roteiro do próprio Gray, adaptado do livro homônimo de David Grann, Z – A Cidade Perdida traz bastante humanidade para a jornada tão misteriosa de Fawcett. Assumindo uma abordagem contemplativa, nunca esquece também de ser entretenimento dos bons, com diálogos e situações impactantes, o que é notável se considerarmos a janela de tempo, de mais de duas décadas, que o longa cobre. Gray apenas peca pela falta de força do ato final, ou melhor, por não apresentar nenhum grande clímax ou catarse, que é claramente sua intenção mas pode acabar frustrando parte do público. Ainda assim, Gray decide fechar sua obra com uma belíssima cena de realismo mágico, repleta de ambiguidade, refletindo um pouco do espírito do poeta Rudyard Kipling, mencionado diversas vezes durante o filme.

Tenho, obviamente, que falar dos aspectos técnicos de Z, que são uniformemente excelentes. A começar pela fotografia do franco-iraniano Darius Khondji, que valoriza as cores da floresta mas também compõe seus ambientes urbanos com riqueza, sempre cativando no contraste entre “civilizado” e “selvagem” (principalmente no diálogo entre Fawcett e a cigana dentro de um bunker, que funciona em grande parte pela habilidade de Khondji em criar consistência mesmo ao realocar os dois para o meio do mato). O design de produção de Jean-Vincent Puzos merece elogios também por não extravasar, limitando-se ao necessário e criando maior veracidade a partir da economia, algo em que muitos longas de época erram a mão.

Grande parte da imersão, porém, vem da sonoridade, seja pelo desenho sonoro ou pela belíssima trilha de Christopher Spelman. Logo de início, somos introduzidos aos sons da mata, com clara espacialidade. Assim, a toda vez que Fawcett viaja ou sonha com a Amazônia, o público está imerso também. As músicas de Spelman, apesar de crescer junto aos momentos mais grandiosos da trama, valoriza também o silêncio, surgindo apenas para contribuir com o senso de maravilhamento das jornadas.

James Gray, que em seu currículo tem o subestimado Donos da Noite e o excelente Amantes, aqui comprova sua capacidade de fazer o bom e velho cinemão sem perder de vista seu dom de criar intimidade com o público, tornando até a maior das aventuras em uma jornada pessoal. Pena que, assim como O Ano Mais Violento, Z – A Cidade Perdida passará despercebido pelo grande público, que com certeza correrá aos cinemas para idolatrar uma certa Mulher-Maravilha (que nós do Cinematecando também adoramos!).

FICHA TÉCNICA
Direção: James Gray
Roteiro: James Gray, David Grann (livro)
Elenco: Charlie Hunnam, Sienna Miller, Robert Pattinson, Angus MacFadyen, Tom Holland
Fotografia: Darius Khondji
Montagem: John Axelrad, lee Haugen
Trilha Sonora: Christopher Spelman
Duração: 140 min
Distribuição: Imagem Filmes
Gênero: Drama / Biografia

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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