Rebobinando: O Pagador de Promessas (1962)

Rebobinando: O Pagador de Promessas (1962)

Pela primeira vez no Rebobinando, trazemos uma obra brasileira! Sim, o Brasil também tem um histórico de grandes filmes, e hoje glorificaremos um dos maiores clássicos nacionais, dirigido e escrito pelo saltense Anselmo Duarte, que dedicou todo seu senso crítico de maneira surpreendente nesta mais bela produção. Já sabe de qual obra se trata não é? Do célebre, espirituoso e imortal…

“O PAGADOR DE PROMESSAS” (1962)

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O ano de 1962 foi, sem dúvidas, um ano extremamente triste para os Estados Unidos, que perdeu um de seus maiores ícones do cinema, Marilyn Monroe, com apenas 36 anos de idade. Em contrapartida, para o Brasil, foi um de seus anos mais notáveis, uma vez que essa adaptação da peça teatral de Dias Gomes se tornou o primeiro e único filme brasileiro até hoje, a vencer a Palma de Ouro, algo que não seria alcançado nem pelas diversas obras do Cinema Novo que foram produzidas nos anos seguintes.

O enredo gira em torno de um pacato e modesto homem chamado Zé do Burro (Leonardo Villar), que após ter seu burro de estimação atingido por um raio, vai a um terreiro de candomblé e faz uma promessa à Santa Bárbara, em que se seu animal se recuperar, ele irá dividir sua terra entre os mais pobres e carregar uma cruz desde sua terra até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador, oferecendo ao padre local. Assim que seu burro melhora, Zé do Burro dá início à sua jornada acompanhado de sua mulher Rosa (Glória Menezes). Após chegar em frente a igreja carregando uma cruz nas costas, como se já não bastasse as dificuldades, Zé do Burro ainda precisa lutar contra a intransigência da igreja e do padre Olavo (Dionísio Azevedo), que se recusa ao aceitar a cruz, afirmando que Zé do Burro fez uma promessa para outro santo.

Em meio a essa complicada situação, ainda aparecem vários outros personagens que colocam mais medo e esperança no espectador, e criam sub enredos pertinentes, colaborando com a proposta crítica do filme. Anselmo Duarte questiona estupendamente a intolerância religiosa, a influência midiática, e os padrões sociais sem precisar recorrer a cenas fortes.

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É preciso reconhecer que a trilha sonora carrega uma clara importância, ao saber utilizar de fundos musicais que percorrem os sentimentos do público, mas que também conquista-nos pelo simples silêncio muito bem oportuno em certos momentos, intensificando a pureza e a graciosidade dos diálogos, estes que não decepcionam em nenhum segundo, transmitindo através de um forte sotaque, todas emoções dos personagens, sejam eles os desamparados, como também os convencidos. O roteiro nos prende intensamente; mesmo não sendo rápido e lotado de acontecimentos impactantes, sabe trazer para a obra uma diversificação cultural gigantesca, presente desde o começo do filme. Os movimentos de câmera são igualmente relevantes, pois chamam a atenção e dão um clima dinâmico quando necessário, além de auxiliar na narrativa em momentos massacrantes, em que podemos experienciar os sofrimentos do protagonista.

Logo após o primeiro ato, o filme estabelece uma visível relação entre Zé do Burro e Jesus Cristo, que não só pela cruz, mas também pela bondade e esperança que ambos tinham em seus corações, atraem várias pessoas em busca de apoiar e lutar por suas causas e objetivos. É uma obra para ser apreciada muitas vezes, pois não será difícil adentrar nessa história tão sedutora, que busca a reflexão de seu público, mas que sabiamente, não faz isso por dentro de circunstâncias rígidas que mal proporcionam ao espectador tempo de digerir as informações daquela cena. A mensagem é evidente, e comprova sua qualidade por se aplicar em realidades até hoje presenciadas, por mais que infelizmente.

Embora o cinema brasileiro esteja crescendo cada vez mais e mostrando que também tem muita competência nas área cinematográfica, a infeliz verdade é que ainda existem pessoas dentro de seu próprio povo que não enxergam suas qualidades e se recusam a valorizar as sua história e sua cultura. O Pagador de Promessas é até hoje um ótimo exemplo do que o Brasil possui de melhor em seus filmes, e serve para conscientizar todos os brasileiros de que apesar da infraestrutura limitada e do reconhecimento internacional não tão grande, é possível criar ótimos filmes que impressionam e agem como obras profundas e reflexivas por meio de uma narrativa interessante. Mais uma produção que dá gosto de assistir, e que deve ser conhecida por qualquer bom cinéfilo. Uma maravilha nacional que te surpreende e te toca devagar, e guarda sua melhor cena cheia de referências para o final.

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João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.