Rebobinando: Gilda (1946)

Rebobinando: Gilda (1946)

Conhecemos bem o poder da sensualidade no cinema, que, mesmo sendo desenvolvida nas primeiras décadas do século XXI, é usada até hoje nos mais diversos gêneros, da comédia ao terror. O Rebobinando relembra, desta vez, um dos romances dramáticos mais inesquecíveis da história, daqueles dignos de homenagens, e quem sabe até uma boa refilmagem. Uma obra provocante, revoltante e excessivamente chamativa que imortalizou a carreira de Rita Hayworth. A obra de hoje é…

“GILDA” (1946)

1

Quando o filme foi lançado, em 1946, com a frase “Nunca houve uma mulher como Gilda” em seu pôster, o público ficou altamente curioso para conhecer essa personagem tão misteriosa, e é possível afirmar que depois das sessões não houve decepções. A obra conseguiu deixar seu marco na história do cinema por saber contar uma história original, com uma qualidade técnica respeitável, dispondo de um roteiro carregado de metáforas, atuações formidáveis, e uma direção apurada realizada por Charles Vidor. Um aspecto notável é que o filme possui várias classificações quanto ao seu gênero, que vai desde romance dramático até o famoso noir da época.

No filme, Johnny Farrel (Glenn Ford) é um vigarista que ganha a vida jogando cartas. Ele é salvo de um assalto por Ballin Mundson (George Macready), dono de um clube noturno em Buenos Aires. Os dois ficam amigos e Johnny passa a trabalhar no clube como gerente. Ballin viaja e, quando retorna, aparece casado e acompanhado de Gilda (Rita Hayworth), sua esposa, uma misteriosa mulher que, no passado, tivera um agitado romance com Johnny. Os dois se sentem atraídos mais uma vez, formando um perigoso triângulo amoroso.

Não nos é apresentado muitos cenários, pois o filme é ambientado em sua maior parte somente em locais da casa de Ballin, e no clube, resultando em uma aproximação maior com o espectador, que passa a conhecer e se familiarizar com os cômodos. Auxilia também no compartilhamento de sensações de Gilda, que se sente presa no ambiente machista, quase sem liberdade. A história se desenvolve de forma interessante, apostando seu sucesso nos diálogos vívidos, nos numerosos personagens e nas interpretações impecáveis dos atores, principalmente a de Rita Hayworth, que transmite para sua personagem todo seu charme sensual, que embora não esbanje vulgaridade, se torna atraente aos olhos de vários homens com suas belas expressões e traços faciais, além de sua exímia forma física.

2

O enredo é encaminhado de uma maneira diferente dos dramas românticos da época, deixando no espectador diversas dúvidas sobre qual destino torcer, sendo o romance de Ballin e Gilda, de Johnny e Gilda, ou da própria independência de Gilda, terminando esta sem nenhum amante ou marido. Isso ocorre devido aos elementos inseridos pelo roteiro convidativo de Jo Eisinger em parceria com Marion Parsonnet, que encanta com diálogos lotados de frases metafóricas, farpas e indiretas, além de situações pertinentes para o desenrolar da história.

A cena mais marcante do filme também é uma das mais memoráveis da história do cinema, caracterizando o que talvez tenha sido o striptease mais original de uma obra audiovisual. É quando Gilda canta a célebre música “Put the Blame on Mame” (dublando a voz da cantora Anita Ellis), diante de muitos homens ricos no cassino, e então começa a tirar apenas sua luva direita, seduzindo a todos com sua elegância. Após o filme, a carreira da atriz decolou, porém sua vida amorosa tornou-se bem conturbada. Rita Hayworth disse publicamente: “Os homens dormem com Gilda, e acordam com Rita.”, mostrando que os homens não sabiam dissociar a imagem da atriz e da personagem que se tornou tão famosa, provavelmente mais que a própria intérprete, uma vez que embora posteriormente Hayworth tenha realizado alguns filmes famosos, nunca venceu um Oscar, o qual visivelmente merecia por interpretar Gilda, mas nem chegou a ser indicada.

A obra tem sua maior qualidade na química entre Johnny e Gilda, que alteram entre momentos agradáveis e instantes conflituosos, extremamente bem executados pelos atores perspicazes, que conquistam o espectador com suas expressões corporais, seus olhares sugestivos e suas traços faciais marcantes. Como qualquer noir que se preze, o filme é recheado de cigarros, homens frios, uma bela narração por trás, e obviamente, uma “mulher fatal” de dar inveja, se tornando possivelmente a mais famosa e sensual femme fatale do cinema.

3

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.