Rebobinando: Janela Indiscreta (1954)

Rebobinando: Janela Indiscreta (1954)

Escrever sobre Hitchcock é sempre um prazer imenso para todo cinéfilo. Hoje em dia é quase um crime não conhecer suas obras e sua importância para a Sétima Arte. Seu legado conta com uma vasta filmografia repleta de clássicos, como Psicose, Festim Diabólico, Os Pássaros, Intriga Internacional, Um Corpo que Cai, além de infinitos filmes memoráveis que jamais cairão no esquecimento do público. Um deles, é este que será levantado no Rebobinando de hoje. A obra da vez é, sem dúvida, um dos suspenses mais fascinantes e provocativos já vistos no cinema, contando com perspectivas técnicas irresistíveis, que desperta nossas sensações mais inacessíveis. Sim, claramente estou falando de…

JANELA INDISCRETA (1954)

Como de costume nas obras do mestre, o filme conta com atores renomados interpretando protagonistas e antagonistas com personalidades difíceis, de simplesmente se admirar ou odiar. Isso permite uma visível interpretação pessoal de cada espectador a respeito dos atos e decisões duvidosas dos personagens, constatando uma grande particularidade do diretor – embora seus maiores clássicos não tenham sido escritas por si próprio.

Em Greenwich Village, Nova York, L.B. Jeffries (James Stewart), um fotógrafo profissional, está confinado em seu apartamento por ter quebrado a perna enquanto trabalhava. Como não tem muitas opções de lazer, vasculha a vida dos seus vizinhos com um binóculo, quando vê alguns acontecimentos que o fazem suspeitar que um assassinato foi cometido. Com a ajuda de sua glamorosa namorada Lisa Carol Fremont (Grace Kelly), Jeff passa a investigar os suspeitos eventos que ocorrem diante de sua janela.

Um fato peculiar da obra, é criar uma sensação de voyeurismo reflexivo, em que ao mesmo tempo que o protagonista observa seus vizinhos como um espectador, nós observamos ao filme da mesma forma, apenas sem um binóculo. Você, espectador do século XXI, pode até notar semelhanças com um filme parcialmente conhecido dos últimos tempos, o suspense Paranóia (2007), protagonizado por Shia LaBeouf, comprovando a importância da obra nos dias atuais, suas influências temáticas, além de sua trama gerenciada com sabedoria. James Stewart individualiza um personagem principal curioso, entediado e paranoico, e Grace Kelly está mais elegante do que nunca, entregando expressões faciais naturais, caracterizando perfeitamente uma personagem secundária que mostra seu valor, uma mulher determinada, disposta a tudo. A belíssima direção de arte explora sabiamente o espaço físico dos apartamentos com objetos, acessórios e figurinos que tornam a obra vívida.

O que também requer mérito é o roteiro excepcional de John Michael Hayes, que conta com muitos personagens interessantes vivendo em seus apartamentos, pontos de virada indispensáveis, e um progresso constante das incertezas e expectativas dos personagens, que refletem diretamente na ansiedade do público. Os diálogos são incrivelmente bem interpretados, e possuem vida na boca dos talentosos atores que não economizam emoções em suas falas. Por essas e outras, Janela Indiscreta alcançou o lugar mais querido no coração dos amantes de suspense, mas os méritos não são apenas do argumento de Hayes, pois a abordagem de Alfred Hitchcock realmente revolucionou na forma de se explorar um ambiente e seus personagens, através de longos planos. É até possível dizer que um binóculo nunca foi tão bem utilizado como nessa inesquecível obra-prima do cinema clássico.

Até hoje o filme é considerado uma obra singular por conter uma das melhores combinações técnicas e temáticas já vistas, numa história que conserva a atenção do público com seus elementos investigativos, e os apoia em uma grande exploração da câmera e de suas capacidades, junto a uma trilha sonora adequada que não decepciona nem os mais exigentes ouvintes. O experimento de assistir a um filme de Hitchcock é uma dádiva indescritível. Além de passarmos momentos marcantes diante de uma televisão, ganhamos conhecimento e aprendemos mais sobre as condições e as relações humanas e seus possíveis desfechos. Vale a pena se entregar perdidamente na narrativa do filme, pensar junto com os personagens, gritar de tensão, e se deixar levar pelas circunstâncias inesperadas em que somos colocados desde o começo da obra. Ao final do filme, o espectador não deixa de se perguntar “depois de tudo, valeu a pena Jeff ter observado sua vizinhança tão atenciosamente?”, e a melhor parte é: nunca encontraremos uma resposta.

Sabe o que é mais assombroso? Pensar que Janela Indiscreta, além de nem ter sido indicado a melhor filme do ano (1954), foi indicado em outras quatro categorias mas não venceu nem um Oscar! Mas apesar dos pesares, o filme se tornou um dos maiores clássicos da história e será lembrado por cineastas e cinéfilos ainda por muito tempo. Se você ainda não conferiu essa obra em pleno final de 2016, faça um favor a si mesmo e assista a este célebre filme, que vai no mínimo te encantar pela fotografia radiante.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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