Rebobinando: A Malvada (1950)
Neste Rebobinando resolvemos relembrar um clássico perdurável, que veio à mente de quem vos escreve por meio das comentadíssimas indicações para o Oscar. Ao contrário do que muitos pensam, La La Land e Titanic são apenas produções recentes que conseguiram a façanha – já conquistada anteriormente – de possuir o recorde de 14 indicações. Porém, alguns não sabem que a primeira obra a inaugurar esse pódio foi nada menos que um dos filmes mais conhecidos da filmografia de Bette Davis. A obra de hoje é vista por vários críticos como um dos melhores modelos do cinema americano, que ajudou a estabelecer certos padrões da narrativa objetiva, além de técnicas de edição e iluminação. O filme é…
A MALVADA (1950)
Ainda que a padronização de regras cinematográficas seja, aos olhos de muitos, algo prejudicial para a individualidade contida no cinema, não dá para negar que muitas obras do cinema clássico contém um toque especial de seu roteirista ou de seu diretor que nos faz admirar o enredo de um filme e considerá-lo diferenciado, mesmo possuindo um arquétipo em sua estrutura audiovisual. A Malvada é o perfeito exemplo de obra cinematográfica que prova a todos que fazer cinema não é apenas quebrar regras e sair criando qualquer coisa por ai, mas que é possível envolver qualquer espectador com diálogos inteligentes e atuações ímpares que se apoiam em um figurino adequado e uma certeira direção de arte.
Na noite de entrega do prêmio Sarah Siddons, todas as atenções se voltam para Eve Harrington (Anne Baxter). Utilizando o flashback, a vida de Eve é revelada, desde quando conheceu e foi contratada como secretária de Margo Channing (Bette Davis), uma grande estrela da Broadway, até ela mesma alcançar o sucesso. A atriz Celeste Holm também apimenta o desenvolvimento do filme interpretando Karen Richards, e se mostra essencial para a obra. Além das moças, os atores/personagens masculinos tornam a história bem interessante, como os sempre presentes e coadjuvantes Addison DeWitt (George Sanders), Bill Sampson (Gary Merrill) e Lloyd Richards (Hugh Marlowe).
De fato, o ponto forte da obra são seus distintos personagens e suas relações entre si, que formam uma trama convincente desde o princípio. E como se não bastasse de numerosos atores, ainda há personagens terciários que aparecem uma vez ou outra, como Birdie (interpretada pela radiante Thelma Ritter, conhecida por representar Stella em Janela Indiscreta) e Srta. Caswell, personagem interpretado pela até então iniciante Marilyn Monroe em um dos primeiros filmes de sua carreira. Mal sabia a moça que se tornaria o maior ícone do cinema, e talvez a atriz mais famosa que já viveu.
O elegante (e premiado pela Academia) figurino elaborado pela grande parceira de Hitchcock, Edith Head (uma das maiores estilistas do cinema, senão a maior), dá um ar sofisticado ao filme, o deixando concludente com o estilo de vida de astros do teatro. Mas o que realmente chama atenção é o trabalho enérgico de Joseph L. Mankiewicz, tanto em seu roteiro adaptado que conta com ótimas reviravoltas e diálogos astuciosos, quanto pela aguçada direção da obra, que agrada os olhos do público com enquadramentos requintados, que sempre foca em seus personagens principais bem iluminados, colocando-os no centro da cena, auxiliados pelos coadjuvantes que são posicionados envolta, dando um equilíbrio visual. Mankiewicz foi premiado pelo Oscar por ambas funções.
As deliciosas atuações de Davis e Baxter são no mínimo o suficiente para tornar a narrativa interessante, porém não carregam o filme nas costas, uma vez que a vasta disponibilidade de personagens bem construídos e a intrigante história garantem o constante interesse do espectador. Com certeza A Malvada é mais um ótimo filme que pode convencer de fato aqueles que possuem um certo receio para conferir obras antigas, sendo que nesse filme a fotografia em preto e branco é um dos principais componentes do charme particular da obra, tornando-a fundamental para a história do cinema, e justificando sua presença aqui no Rebobinando.
A obra nos propõe diversos questionamentos, alguns exemplos são: a capacidade do ser humano de fingir seus sentimentos e buscar seus sonhos não importa o custo; a sempre presente questão de se os fins justificam os meios; as consequências da obsessão beirando a loucura; o limite da inveja e do ciúmes; e a capacidade de manipular e chantagear contidas em todos nós. Sem dúvida é um prato cheio não!? Apesar de ser um imenso prazer escrever sobre filmes tão importantes como esse, um lado infeliz ainda pesa sobre meus ombros, o de que obras como essa precisem ser relembradas por duas razões: primeiramente por não ser tão citada quanto deveria, e em segundo por não vermos mais tantos filmes em cartazes que cumpram com os requisitos técnicos tão atraentes do Classicismo. Uma obra-prima vencedora de 6 Oscars, que jamais será esquecida pelos cinéfilos, ou que ao menos, não deveria.
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