“Tudo o que vem de fora do Brasil é melhor”: até quando?
Apesar da primeira exibição de cinema no Brasil ter acontecido no dia 8 de julho de 1896, foi só em 19 de junho de 1898 que os primeiros filmes brasileiros foram rodados por aqui. Desde então, o cinema brasileiro passou por diversas fases, entre elas a Chanchada, Pornochanchada, Cinema Novo e o cinema da maneira que conhecemos hoje. Durante todos esses anos, é claro que a qualidade e a maneira de produzir os filmes mudaram, mas o preconceito com as produções nacionais continua, principalmente quando se tenta comparar filmes brasileiros com filmes estrangeiros sendo que, na verdade, não existe uma maneira certa de fazer cinema, só visões e culturas diferentes.
Talvez o mais estranho de tudo isso é entender que, se o cinema em certos momentos tem o objetivo de registrar a realidade de uma sociedade, nós temos preconceito com nós mesmos quando dizemos que os filmes brasileiros só mostram favela, violência e miséria. A aversão que o brasileiro tem com a própria história e o eterno complexo de inferioridade é o que mais nos impede de valorizar e descobrir o cinema nacional. E se engana quem acredita que só existe esse preconceito dentro do cinema: autores, músicos e artistas no geral nem sempre recebem o apoio que merecem e são estereotipados. É aquela ideia que colocaram na nossa cabeça de que tudo o que vem de fora é sempre melhor.
O cinema, assim como outras artes, é forma de expressão, entretenimento e também crítica. E por mais que você não goste: Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003), Central do Brasil (1998), O Caminho das Nuvens (2003), Vidas Secas (1963), entre tantos outros filmes que retratam a realidade do país, são extremamente importantes para conhecermos as diversas faces do Brasil. Mais do que isso, esses filmes são como a memória de uma época e um alerta para a dificuldade de um povo que não tem voz. Limitar essas produções apenas a “miséria, favela, violência e sexo” é fazer com que essas pessoas fiquem ainda mais invisíveis na sociedade.
Além disso, nem só de filme realista e que retrata a desigualdade se faz o cinema brasileiro. Por falta de divulgação, a gente acaba deixando passar filmes como Entre Nós (2014), O Homem que Copiava (2003), Abril Despedaçado (2002), Madame Satã (2002) e até alguns que foram mais comentados, mas talvez você não tenha parado para assistir: O Cheiro do Ralo (2006), O Palhaço (2011), Meu Nome Não é Johnny (2008), O Som ao Redor (2012), Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), Que Horas Ela Volta? (2015), Entre Abelhas (2015). Na verdade, basta procurar sobre o assunto no Google que uma lista gigantesca de filmes brasileiros que você nem sabia que existiam vai aparecer.
E se há tantos filmes, por qual motivo não ouvimos sobre eles? O cinema no Brasil é algo muito difícil de fazer, começando pela captação de recursos para o projeto até o momento do lançamento. Os grandes filmes de Hollywood também ocupam maior espaço nas salas de cinema e arrecadam sempre uma boa bilheteria em relação ao valor usado para a produção. E não entendam isso como uma crítica aos filmes estrangeiros (eu gosto e assisto, aliás), é só para mostrar, bem superficialmente, como é complicado fazer, divulgar e colocar um filme brasileiro no cinema. Sinceramente, trabalhar com qualquer tipo de arte no Brasil exige uma baita coragem se levar em consideração o quanto é difícil conseguir sobreviver disso.
Uma curiosidade, muito previsível talvez, é que Tropa de Elite 2, de José Padilha, se tornou o filme com a maior bilheteria da história do Brasil e conseguiu, inclusive, bater Avatar. A impressão que eu tenho é que depois de Tropa de Elite o brasileiro ficou um pouco mais atento ao cenário do cinema nacional, mas isso não significa que o preconceito foi deixado de lado. Nada acontece da noite para o dia. Por isso, vale a pena aproveitar o final de semana para começar a assistir alguns filmes nacionais e procurar por outros que, apesar de pouco divulgados, possuem um ótimo roteiro e são envolventes. Quem sabe assim a ideia “de que tudo o que vem de fora é melhor”, citada no começo do texto, deixe de ser verdade absoluta na nossa cabeça e passe a ser questionada.