Crítica: X – A Marca da Morte
Não seria demais dizer que um dos subgêneros mais fortes, divisivos e ao mesmo tempo rentáveis, é o slasher. Não somente do horror, mas também de toda a sétima arte. Há quem não suporte as incontáveis e violentas mortes, os clichês previsíveis e tais estereótipos de personagens que já nos faz saber exatamente qual caminho a história irá percorrer. Mas há também aqueles que não resistem a todas essas características que compõem, com tanta solidez, este estilo de filmes tão marcante. É com boa parcela de certeza que podemos afirmar que, se existe um filme slasher capaz de agradar tanto quem já gosta do subgênero, quanto quem não se identifica tanto com o mesmo, este filme é X: A Marca da Morte, o novo longa dirigido pelo inventivo Ti West, e distribuído pela aclamada A24.
A história se passa em meados dos anos 70, onde acompanhamos um grupo de jovens que se propõe a gravar um filme pornô revolucionário na zona rural do Texas, sem o conhecimento de seus reclusos anfitriões. Neste grupo, conhecemos a protagonista Maxine (Mia Goth, de Suspiria), uma atriz pornô determinada a se tornar uma estrela da indústria e seu namorado Wayne (Martin Henderson), o produtor do filme. Além de Maxine, quem também integra o elenco do filme é a já experiente Bobby-Lynne (Brittany Snow) e o convencido Jackson (Kid Cudi). Já por trás das câmeras, o obcecado cinegrafista RJ (Owen Campbell) e sua puritana namorada Lorraine (Jenna Ortega, de Pânico), que fica responsável pela captação de som. Quando misteriosos desaparecimentos e mortes começam a acontecer, a equipe e o elenco se vêem obrigados a lutar por suas vidas se quiserem deixar o local e sobreviver.
Ti West não é um cineasta de terror conhecido por trabalhar, em seus projetos, premissas originais ou mesmo fora do comum. Pelo contrário. Aproveitando-se de pilares extremamente convencionais nas narrativas do gênero, o diretor e roteirista aposta na criatividade do seu enredo, no poder das entrelinhas e na maneira como irá contar determinada história, para surpreender e cativar seu público. Foi assim com sua maior obra, A Casa do Diabo (2009), e também com o arrepiante Hotel da Morte (2011). Partindo de ideias e fórmulas básicas como uma jovem aceitando um misterioso e arriscado trabalho como babá em uma mansão isolada, ou mesmo uma funcionária de hotel tentando descobrir os segredos por trás de um prédio mal-assombrado, West é habilidoso em subverter as expectativas do público, trazendo pequenas surpresas e reviravoltas que valem e muito a experiência de conferir seus filmes. X: A Marca da Morte não poderia ser diferente, e felizmente não foi.
Bebendo de diversas fontes e homenageando clássicos do slasher, principalmente o imortal O Massacre da Serra Elétrica (1974, de Tobe Hooper), o longa de Ti West recria uma fiel e sombria Texas setentista, brindando suas referências a cada cena, sem perder seu brilho único, que por sinal ao mesmo tempo o caracteriza como um típico horror da A24, pelo menos durante seu primeiro ato. Isso se dá por conta da abordagem extremamente sutil e sufocante com a qual o diretor opta por desenvolver a primeira metade do filme. Com ajuda da ótima trilha musical de Tyler Bates e Chelsea Wolfe e da ousada direção de fotografia assinada por Eliot Rockett, a direção aposta numa condução de suspense gradativo e até perturbador, enquanto o roteiro flerta com o perigo envolta do desconhecido sem se assumir de fato sobrenatural, por si só um diferencial significativo no subgênero.
Há espaço aqui ainda, para profundos questionamentos e estudos de personagem. Os anfitriões Howard (Stephen Ure) e Pearl (também interpretada por Mia Goth), protagonizam uma das relações amorosas da terceira idade mais dolorosas, realistas e impactantes que o cinema, principalmente de horror, já presenciou. Dores e receios internos como o medo do abandono, a inveja, o sentimento de ter desperdiçado a vida e muitos outros são trazidos em subcamadas, mesmo que talvez superficialmente. Mas tudo isso, aliado ao sempre caprichoso e muitas vezes até exagerado desenvolvimento e apresentação dos personagens (outra marca registrada do diretor), somente instiga o espectador a querer conhecer mais sobre aquelas vidas frustradas e seus passados sombrios.
Em X: A Marca da Morte, não faltam bons momentos em que o silêncio recheia as cenas repletas de tensão e de possibilidades. Aqui, a previsibilidade se torna uma amiga e aliada do inesperado, afinal é preciso direcionar cuidadosamente o público para uma direção para que a outra direção torne-se surpreendente. E isso o diretor faz com sabedoria, roubando merecidamente nossa atenção. E por falar em roubar, é definitivamente a neta de brasileira Mia Goth quem rouba a cena, tanto como Maxine quanto como Pearl. Suas interpretações contrastantes e, ao mesmo tempo complementares, esbanjam sinceridade e entrega, uma vez que a atriz não mede esforços para extrair as infelicidades e os desejos de suas personagens através da linguagem corporal e suas convincentes expressões faciais.
Mesmo que nem sempre equilibre tão bem o gore, as mortes e as perseguições com o suspense e seus respiros reflexivos, afetando em partes o ritmo de sua narrativa, X: A Marca da Morte ainda se mostra engenhoso o suficiente para romper barreiras e alguns obsoletos clichês dos filmes slasher, enaltecendo a liberdade, a independência em todos seus aspectos e o poder feminino frente às suas próprias decisões. Ti West volta com tudo ao horror, gênero o qual esteve afastado há quase 10 anos, desde seu found footage O Último Sacramento (2013), e mostra de todas as formas possíveis, agradando praticamente todos os tipos de fãs de horror (pelo menos parcialmente), que o subgênero do slasher está sim vivo e passa bem.