42ª Mostra – Crítica: O Anjo

42ª Mostra – Crítica: O Anjo

Argentina encara um de seus demônios

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Carlos Eduardo Robledo Puch é um criminoso que entrou para a história como um dos mais perigosos e letais da Argentina. Além de ter sido condenado por onze assassinatos cometidos nos anos 70, ele ficou marcado pelo perfil completamente oposto ao normalmente atribuído quando se pensa em alguém assim. Além das feições angelicais, veio de família com situação econômica confortável, nunca havia sido diagnosticado com distúrbios psicológicos e nem tinha uma particular sede de sangue. O filme O Anjo mostra um pouco desta personalidade incomum.

Lorenzo Ferro vive o personagem principal, então chamado de Carlitos. Ele se apresenta como um amante da liberdade, adolescente que invade casas no bairro onde mora e delas saca pequenos objetos, a fim de distribuí-los como presentes para a família e amigos. O que era pouco mais do que uma traquinagem se potencializa após o encontro com Ramón (Chino Darín), cujo pai é um ladrão mais experiente. Logo eles passam a trabalhar juntos.

O Anjo poderia ser o típico filme de formação de um fora-da-lei, e certamente se rende a alguns dos clichês do gênero. A edição ágil, as cores vibrantes e a trilha sonora recheada de rock portenho da década na qual a ação se passa dão a sensação de adrenalina, com o perigo sempre à espreita.

A estes elementos já esperados de um thriller, o diretor Luis Ortega adiciona algumas outras camadas. A mais latente delas é uma tensão sexual homoerótica latente na dinâmica entre Carlitos e Ramón. Num dos roubos perpetrados pela dupla, eles se olham no espelho de forma confiante. O personagem de Dárin então os compara com os guerrilheiros Che e Fidel. Seu parceiro, de brincos nas orelhas, prefere que sejam Evita e Juan Perón. Não à toa, o longa tem como produtores os irmãos Augustín e Pedro Almodóvar.

Mas há outros desejos, além dos sexuais, movendo os protagonistas. Ramón se arrisca como cantor em um programa de calouros na TV. Carlitos quer sentir alguma conexão com algo mais substancial, ainda que não saiba exatamente o que isso signifique. Como pano de fundo à trama, corre a ditadura militar na Argentina, enquanto os jovens se vêem à deriva.

Ao testar sua liberdade nas barbas do exército enquanto consegue agir fora do radar dos poderosos, Carlitos leva ao extremo sua postura debochada. Numa das cenas de maior carga simbólica do filme, ele entra numa mansão e senta ao piano para, de forma mecânica e sem ninguém para assistir, tocar o hino nacional do país. Assim, o filho bastardo colocava seu nome na história da nação, como um ruído constante na sala de estar.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil