43ª Mostra – Crítica: Guerra de Algodão

43ª Mostra – Crítica: Guerra de Algodão

Tempo de redescobertas

Guerra de Algodão

O nome do filme dirigido pela dupla Marília Hughes e Cláudio Marques diz muita coisa. Guerra de Algodão coloca em rota de colisão uma avó, Maria (Thaia Perez), e sua neta adolescente, Dora (Dora Goritzki), despachada para o Brasil repentinamente após passar boa parte de sua ainda jovem vida morando com a mãe na Alemanha. A tensão entre as duas se dá mais pelo silêncio do que por um clima bélico, o que sugere um confronto pouco explosivo, demonstrado em pequenas atitudes.

Condenada a revisitar suas origens, Dora tem dificuldade para fazer amigos nas ruas de Salvador. É chamada pejorativamente de “gringa”, mas basta um violão cair em seu colo para a menina entoar uma canção dos Novos Baianos e não deixar dúvidas sobre seu DNA nacional. Da mesma forma como vai redescobrindo o país, ela também se depara com fatos que até então desconhecia sobre sua avó. Aquela senhora que tem o hábito de andar pelada pela casa (uma corajosa cena de nu frontal protagonizada por Perez) e servir a mesma sopa toda noite tem um passado glorioso como atriz celebrada e feminista atuante.

Essa escavação familiar é a melhor coisa de Guerra de Algodão, principalmente por acontecer num momento em que a motivação de Dora não é das mais nobres, o que dá certa complexidade à sua personalidade. Ela quer apenas voltar para a Europa, onde deixou amigas e toda sua rotina, e a princípio não vê com nenhum entusiasmo particular a trajetória de Maria, marcante a ponto de ser objeto de interesse para uma escritora que quer publicar a biografia da antiga estrela de teatro e cinema.

No entanto, o roteiro patina pela opção de desviar de qualquer conflito mais claro entre as duas personagens principais. A avó tem uma postura por demais passiva, enquanto algumas decisões da neta são apresentadas com uma ingenuidade que contamina o filme, a partir do momento em que o script se rende a soluções simples e apressadas: uma editora experiente que é facilmente engada, um rapaz interessado em Dora que some de cena para nunca mais voltar após uma tentativa de assédio, a mãe que só tem direito a uma aparição via Skype. Nenhum desses elementos que poderiam ser obstáculos para a jornada da  jovem protagonista ganham espaço.

Resta então a delicadeza do conflito interno de alguém que vai aos poucos entendendo seu lugar no mundo. O filme passeia pelos jardins de uma elite intelectual já envelhecida, pela periferia soteropolitana e coloca o pé na areia. É a construção da identidade de alguém que se (re)descobre brasileira.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil