43ª Mostra – Crítica: Terra Sagrada

43ª Mostra – Crítica: Terra Sagrada

Raízes da discórdia

Durante uma viagem de carro, para guardar uma distância com a qual se sinta confortável do pai, Ömer (Ali Atay) arma um problema na porta do passageiro do carro que dirige, para que Ibrahim (Haluk Bilginer), já em idade avançada, não sente ao seu lado. A cena, que beira o cômico, é reveladora do estado da relação entre os dois protagonistas no começo de Terra Sagrada.

No longa de estreia do cineasta turco Cenk Ertürk o filho leva o pai, padecendo de uma doença crônica, à cidade natal, onde Ibrahim quer ser enterrado. O lugar escolhido para o descanso eterno é bastante específico: ao lado da árvore que plantou na juventude.

O problema é que, durante o tempo em que Ibrahim ficou afastado do vilarejo, a árvore se tornou um ícone sagrado para a população, que acredita que ela não pertence àquele senhor, mas está ali há séculos, além de ser destino de peregrinações e dona de supostos poderes milagrosos.

A recepção aos dois quando anunciam seus planos na região é, portanto, hostil. Tal hostilidade emula o sentimento predominante entre os dois personagens centrais. Mesmo aos quarenta e um anos, Ömer nunca perdoou o pai por tê-lo abandonado na infância, algo que, segundo sua ex-mulher, virou uma muleta para justificar os próprios defeitos. Já Ibrahim se defende dizendo que não seria uma boa referência paterna, mesmo se tivesse ficado em casa.

O roteiro escrito por Ertürk e premiado no Festival de Tribeca (assim como a atuação de Atay) entrelaça essa cadeia de ressentimentos sem nunca mirar numa redenção. Pelo contrário, as reais intenções do filho em estar naquela situação são questionadas, assim como a verdade por trás das palavras do pai. O cineasta sabe que existem muitos mais tons entre o amor e o ódio do que caberia numa trama maniqueísta.

Por isso mesmo, Terra Sagrada tem uma narrativa um tanto quanto àspera. A paleta de cores do filme é escura, e os personagens estão sempre com roupas pesadas, abrigando-se não apenas do frio, mas também de deixar escapar qualquer emoção mais exacerbada. O filme sabe que as raízes para uma discórdia familiar podem ser muito profundas para serem resolvidas num momento de tragédia iminente. Contenta-se então com o realismo de oferecer um desfecho onde cabe a quem fica carregar o peso do passado e saber conviver com isso.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil