Análise: ‘Coisa Mais Linda’ mostra como ser mulher é ser revolução
“Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão”
É citando Vinícius de Moraes que começa a série brasileira Coisa Mais Linda. Nela conhecemos Maria Luiza (Maria Casadevall), Lígia (Fernanda Vasconcellos), Adélia (Patrícia Dejesus) e Theresa (Mel Lisboa). Poderiam ser apenas quatro amigas saindo numa sexta à noite para tomar uns drinks e falar sobre suas experiências sexuais?
Sim. Porém, a série é muito mais do que isso.
Nessa produção situada no final da década de 50 e início dos anos 60, vemos quatro personagens com histórias totalmente distintas que se cruzam por um ponto em comum: ser mulher.
Sabemos que, daquela década para cá, muita coisa mudou e mais direitos foram conquistados. No entanto, sempre somos questionadas, sempre nos colocam a dúvida se somos capazes. Uma produção que retrata problemas como racismo, machismo, lgbt, direito das mulheres, privilégio branco, violência doméstica, diferença salarial, empoderamento, aborto e elitismo, coloca em pauta temas de quarenta anos atrás que permanecem até os dias atuais.
Em apenas sete episódios, os roteiristas Heather Roth e Giuliano Cedroni criam uma atmosfera em meio a tantos temas a serem abordados e discutidos que se traduz em uma palavra-chave: empatia. Embora o público possa não viver os mesmos problemas retratados por suas personagens, certamente já identificou com uma. E, nessa realidade em que Malu, Lígia, Adélia e Theresa reconhecem que não são iguais, isso não quer dizer que elas não se apoiem umas às outras – pelo contrário, elas encontram sua força juntas.
Esta é uma produção brasileira protagonizada por mulheres numa época em que as mesmas eram muito mais “domesticadas”. Como bem escreveu a autora Clarissa Pinkola, do livro Mulheres que Correm Com Lobos, na seguinte citação: “As questões da alma feminina não podem ser tratadas tentando-se esculpi-la de uma forma mais adequada a uma cultura inconsciente, nem é possível dobrá-la até que tenha um formato intelectual mais aceitável para aqueles que alegam ser os únicos detentores do consciente (o homem). Não. Foi isso o que já provocou a transformação de milhões de mulheres que começaram como forças poderosas e naturais, em párias na sua própria cultura. Na verdade, a meta deve ser a recuperação e o resgate da bela forma psíquica natural da mulher”.
O público consegue entender bem esse ponto de empoderamento e de direito da mulher, pois o roteiro traduz o mesmo que Clarissa expõe em seu livro de uma maneira muito mais clara e direta – especialmente lembrando do diálogo de Theresa e Helô (Thayla Ayala) na revista Angela: “O que significa ser mulher nos dias de hoje? Espera-se que sejamos fortes, mas modestas. Instruídas, mas sem opiniões polêmicas. E acima de tudo, bonitas. Será que não é hora de conversarmos sério e admitirmos que por trás da maquiagem perfeita, do cabelo armado e dos lindos vestidos alguns dias são extremamente difíceis?”
Além de todo o desenvolvimento crítico, outro ponto positivo de Coisa Mais Linda é sua fotografia impecável, com paleta de cores vibrantes e estouradas, assim como era no final dos anos 50. E também há a celebração da Bossa Nova, música que foi feita para unir. Uma interpretação de empatia que o grupo de mulheres cria naturalmente.
Coisa Mais Linda traz uma história poética e extremamente revolucionária para os tempos em que vivemos. Na série nós entendemos muito bem que as situações ali discutidas não são apenas ficcionais ou irreais; e que ser mulher é ser revolução.