Crítica: Bird Box
Maternidade ofuscada
Tratar da maternidade em um mundo pós-apocalíptico diante de uma história que se altera em duas épocas diferentes é desde o início arriscado. Num âmbito literário talvez isso seja mais fácil, por permitir mais detalhes e momentos entre os personagens, o que provavelmente funcionou no livro Caixa de Pássaros, escrito por Josh Malerman. Porém nem tudo que lemos deveria ser adaptado para o cinema, pelo menos não de certas maneiras. O filme Bird Box, lançado como original Netflix, nos deixa angustiados e tensos em determinadas cenas, mas possui problemas narrativos sérios, que nos deixam menos capazes de se emocionar com a história.
O suposto terror psicológico (que mais parece um drama) se passa em duas épocas. A primeira é cinco anos antes do presente, onde Malorie (Sandra Bullock), que está grávida e não possui empatia por seu futuro filho, entra em contato com as primeiras manifestações de algum vírus ou criatura que passa a exterminar a população através do contato visual. É quando ela encontra abrigo em uma casa com outros sobreviventes. A segunda época é o próprio presente, quando Malorie está em um barco com duas crianças (chamadas de Garoto e Garota), todos usando vendas, indo em direção às correntezas para buscar alguma ajuda.
O confuso roteiro de Eric Heisserer (responsável pelo ótimo roteiro de A Chegada) aqui parece ser o maior problema do filme, ainda que a direção de Susanne Bier não incomode, mas também não chame a atenção. O fato de a primeira época apenas explorar a insegurança de Malorie em criar sozinha seu futuro filho, faz com que a efetiva maternidade apenas nos seja apresentada no segundo período, que é intercalado de maneira corriqueira, e quase não podemos absorver a relação que a mulher possui com as crianças até o terceiro ato do filme, quando isso é um pouco mais aprofundado, mas não tanto quanto deveria. Também incomoda a evidente falta ou atraso de remorso dos personagens, ao perder um ente querido.
Os inúmeros personagens que compõem o grupo de sobreviventes se tornam irrelevantes para a história principal, ainda que os atores se esforcem com o limitado trabalho que possuem em mãos. Nos vemos diante de uma diversidade de ótimos atores coadjuvantes que são mal explorados pela direção e pelo roteiro, como Sarah Paulson, que tem pouquíssimo tempo em cena, e John Malkovich, interpretando um rancoroso e arrogante velho que não traz nada de interessante para o enredo.
A ausência de plausibilidade dos eventos no filme consegue deixar qualquer um revoltado. São várias cenas com acontecimentos que jamais ocorreriam na vida real, junto com clichês já saturados pelo cinema hollywoodiano. O que salva Bird Box de não se juntar à lista de péssimos filmes originais lançados pela Netflix esse ano são algumas boas cenas, capazes de criar tensão pela falta de visão dos personagens em ocasiões angustiantes, e sua charmosa direção de arte, que envolve um mundo pós-apocalíptico sem perder a alma das cores chamativas dos figurinos e objetos.
Bird Box tem uma proposta inventiva, porém mal executada por meio de um roteiro cheio de inconveniências nos eventos, e falta de profundidade em seus personagens. Mas o que mais atrapalha, é realmente a divisão de épocas, e mais precisamente, a primeira época (passada cinco anos antes do presente). Por fim, é visível que o filme poderia ter tirado muito mais proveito da maternidade da protagonista e do misterioso mundo pós-apocalíptico apenas nos apresentando o presente de Malorie com as duas crianças tentando sobreviver com pouca comida, enquanto cruzam um rio e tentam manter sua esperança viva.