Crítica: Dark (2ª Temporada)

Crítica: Dark (2ª Temporada)

A complexidade e a profundidade do cinema alemão

critica dark 2a temporada

Há anos sabemos que a Alemanha é um país que possui características ímpares e uma forma muito íntima, reflexiva e profunda de expor sua arte. No cinema, percebemos isso desde o expressionismo alemão e obras de diretores consagrados como Wim Wenders, Fassbinder e Werner Herzog, até obras marcantes do século XXI, como Adeus Lênin (2003), e A Onda (2008).

Também sabemos que Dark não se trata de um filme, e sim de uma série. Porém, todo seu aspecto cinematográfico e suas discussões filosóficas sobre o tempo e a vida bebem muito da fonte do conteúdo explorado pela arte de seu país. É isso que faz esse incrível seriado alemão, já na segunda temporada, ser algo muito além de meras viagens no tempo.

A retomada da série segue seu rumo a partir do gancho deixado pelo último episódio da primeira temporada, com Jonas descobrindo um futuro pós-apocalíptico. Daí em diante, passamos a acompanhar os variados (pra não dizer infinitos) arcos existentes em sua trama extremamente bem amarrada. Nesta nova temporada a grande novidade é acompanhar as famílias e moradores da cidade de Winden tomarem, gradativamente, conhecimento da máquina do tempo, e sua relação com a caverna/usina nuclear, e a existência da possibilidade de seus entes queridos, antes desaparecidos, estarem presos em um dos cinco tempos transferíveis de 33 em 33 anos (agora 1921, 1954, 1987, 2020, e 2053).

Dentro desse novo descobrimento dos personagens e a relação que possuem com seus amigos e familiares próximos, há todo o drama presente nos conflitos criados na primeira temporada (e aprofundados agora). Para que estejamos a par desses acontecimentos é imprescindível que o espectador se dê ao trabalho de rever os episódios anteriores. Dark já não é uma série de fácil absorção, e aqui, se não estivermos com toda a história principal e suas subtramas em mente, nossa compreensão é extremamente prejudicada.

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Muito dos diálogos filosóficos brutos e longos presentes na primeira temporada para nos apresentar ao universo das viagens no tempo dão lugar a um ritmo de enredo muito mais acelerado, com eventos impactantes e reações de personagens vendo a si mesmos (em tempos diferentes), enquanto cada um procura, à sua maneira, descobrir mais sobre o que de fato está acontecendo.

Isso acaba afetando um pouco o tempo de sofrimento lento visível nos personagens durante a primeira temporada após os desaparecimentos da cidade, porém nós compensa de outra forma. A narrativa garante que os episódios fluam de maneira mais natural, fazendo com que nos surpreendamos com várias viradas inesperadas ao longo da série.

É interessante passar a compreender aos poucos a forma como cada um dos personagens que mostram conhecer mais sobre as viagens no tempo (Noah, Jonas, Adam e Claudia) pensam sobre todos os eventos decorridos, além de notar as diferenças de posicionamento sobre como podem de fato reverter tudo e salvar a humanidade.

A segunda temporada de Dark explicita uma questão extremamente realista: a da não dualidade de protagonismo e antagonismo (presente em tantas obras audiovisuais). Aqui, não existe um simples bem e mal, e sim diversas pessoas com interesses diferentes, e dispostas a fazer o que for preciso para proteger as pessoas que amam.

A estrutura dos episódios continua a mesma. Com uma disposição de músicas européias e nórdicas (além de alguns clássicos americanos dos anos 80), o roteiro ambienta uma Winden repleta de personagens multifacetados, por sua vez, carregados de dúvidas sobre a vida e a implicação de suas ações.

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Após a apresentação de vários confrontos internos e externos espalhados em diferentes épocas, cada episódio nos encaminha para um ato final em que alguma música profunda se faz presente enquanto pequenos fragmentos de personagens em suas situações transmitem um sentimento melancólico (desolação, tristeza, saudades, receio), e somos deixados por fim, em um último plano, diante de uma grande surpresa que é continuada no episódio seguinte.

Bebendo cada vez mais de influências do cinema alemão, a segunda temporada de Dark é exatamente a confirmação da estupenda qualidade técnica e ousadia temática plantada em sua primeira temporada. Tecendo uma teia lenta e perfeitamente amarrada de subtramas em seu enredo, a série, sem quebrar suas próprias regras, mas frequentemente as elaborando dentro de um limite de possibilidades, inspira melancolia em cada episódio sem perder seu dinamismo. Com isso, amplia a profundidade de seus arcos e se mostra uma das produções mais consistentes da atualidade.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.