Crítica: Jojo Rabbit

Crítica: Jojo Rabbit

Sátira sentimental

A recente ascensão ao poder de líderes populistas com ideologias de extrema-direita tornou o lançamento de Jojo Rabbit mais oportuno do que nunca. A comédia dramática dirigida pelo neo-zelandês Taika Waititi (de Thor: Ragnarok, desta vez num registro que remete ao trabalho anterior, A Incrível Aventura de Rick Baker) é um lembrete do poder dessas figuras histriônicas em capturar corações e mentes, especialmente por quem está à procura de um grupo hegemônico para fazer parte.

É o caso do pequeno Jojo (Roman Griffin Davis), garoto que vem de uma família quebrada pela morte da irmã mais velha e pela ausência do pai, envolvido na 2ª Guerra Mundial. Além dos momentos com a mãe (vivida por Scarlett Johansson), o menino encontra conforto em diálogos com seu amigo imaginário e ídolo, Adolf Hitler (papel que cabe ao diretor Waititi).

O filme sugere caminhos implícitos para explicar tal idolatria: a solidão, o desejo de pertencimento ao mesmo grupo dos amigos, a inércia geral que impedia muitos questionamentos sobre o que de fato estava acontecendo ali. Como define uma das personagens, Jojo não é exatamente um nazista, mas apenas uma criança de 10 anos que gosta de vestir fantasias – o uniforme do exército alemão – e quer integrar um clube. 

Substitua o uniforme por camisetas com o rosto de “mitos” da política brasileira recente usadas por guris que nem mesmo têm idade para votar, imagem comum em manifestações ocorridas por aqui nos últimos anos, e o princípio é o mesmo. Assim como as fake news, outro assunto contemporâneo, que lá já aparecia nas notícias sobre a presença de chifres nas cabeças dos judeus e seus poderes de ler mentes, correspondentes da época às famigeradas “mamadeiras de piroca” do nosso século XXI.

Jojo Rabbit começa como sátira, mas lá pela metade envereda pela linha do sentimentalismo. O encontro do jovem protagonista com a menina judia Elsa (Thomasin McKenzie), escondida pela mãe dele em casa para escapar do campo de concentração, dá a dimensão do drama humano vivido ali, o que de certa forma é inescapável, mas acaba aproximando demais o longa a outras produções de temática semelhante, como A Vida é Bela, O Menino do Pijama Listrado e A Menina que Roubava Livros.

Mesmo que às vezes uma certa sensação de déjà vu tome conta, Waititi ainda tem a sagacidade de criar imagens surrealistas e potentes, como a aparição de Sam Rockwell em vestimenta espalhafatosa em pleno confronto final, e a cena final, ao som da versão em alemão do hino “Heroes”, de David Bowie.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil