Crítica: Justiça Brutal

Crítica: Justiça Brutal

O cinema de S. Craig Zahler não faz concessões. Conhecido por uma pequena mas marcante filmografia, Zahler prefere seus filmes longos, esparsos, e com Justiça Brutal isso não é diferente. Ora, se este projeto atinge a marca das duas horas e quarenta, o próximo foi anunciado pelo próprio diretor como algo além das três horas. Portanto são justificáveis as dificuldades de distribuição enfrentadas por Zahler, que aqui realiza um filme “de ações” muito mais do que “de ação”, como podem indicar os materiais de divulgação.

Na realidade, o filme é mais sobre as consequências de tais ações, com certas personagens que saem de cena (um eufemismo) rapidamente por causa de movimentos precipitados. Aqueles sortudos o bastante para sobreviverem ocupam o espaço de cena por vezes em composições não tão divergentes de um teatro, de maneira que não existem elipses na movimentação pela cena e restam tempos mortos, que ditam ao projeto um ritmo vagaroso e reflexivo (o que leva alguns a carimbarem o longa como “pós-moderno”).

Tanto Rastro de Maldade quanto Conflito no Pavilhão 99, filmes anteriores de Zahler, continham longas sequências em que “nada” acontece, e aqui este projeto é levado ao seu máximo. Cenas como a dos protagonistas em tocaia e até mesmo o tiroteio final são estendidas até o ponto mais extremo, e não há timidez alguma em assumir um certo vazio. E enquanto nos longas anteriores de Zahler tínhamos uma violência pontual mas grotesca, aqui ela surge mais vezes, porém mais esvaziada e aleatória.

O título nacional, Justiça Brutal, pode até ser considerado como enganoso. Há brutalidade de sobra, mas nenhuma das personagens busca justiça.  O longa segue dois policiais (Mel Gibson e Vince Vaughn) que, após a divulgação de um vídeo em que usam de táticas de coerção extremas, são suspensos e agora buscam “compensação apropriada” ao longo de um único e longo dia. Brett, o veterano dos dois, consegue uma pista acerca de um ambicioso assalto, e ao invés de tentar impedi-lo, tem como objetivo roubar os (cruéis) ladrões.

Quando digo que Justiça Brutal se ambienta (em grande parte) em um único longo dia, o digo já que as ações que poderiam ser abreviadas em outros projetos aqui não raro tomam o tempo de uma sequência inteira. É aí, no entanto, que se encontra o prazer de se assistir às personagens de Gibson e Vaughn em trocas de diálogo afiadas, controversas até, dando dimensão extra às suas personas ficcionais. Não se sabe ao certo o quanto Zahler partilha das visões de mundo de suas personagens, mas o humor negro funciona pela frontalidade.

Os diálogos são aquilo que alimenta um senso de moralidade deturpado para o longa, incômodo em cada uma de suas decisões e não surpreendentemente evocando um certo ar de exploitation, de cinema B a la Troma e Cannon Pictures. Enquanto isso é mais forte nos longas anteriores de Zahler, a sensação também marca presença em Justiça Brutal, com doses concentradas que farão os desavisados engasgarem com as expectativas não correspondidas por certas cenas – ainda não sei se a participação de Jennifer Carpenter é gratuita ou merecida.

Com uma série de excelentes canções originais em sua trilha, uma tradição da filmografia de Zahler, Justiça Brutal contorna seu orçamento obviamente baixo (a direção de arte é simplória, mas consistente com o tom do longa) com um excelente texto e atuações ainda melhores, valendo também o destaque para Tory Kittles em um papel chave. Demorou para chegar oficialmente ao território brasileiro, mas a espera valeu a pena e quem sabe os novos filmes de Zahler tenham menos dificuldades de distribuição global da próxima vez.

Disponível no Amazon Prime Video.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.