Crítica: O Contador

Crítica: O Contador

THE ACCOUNTANT

Pode-se dizer que O Contador, dirigido por Gavin O’Connor, trata-se do segundo filme de herói que Ben Affleck protagoniza neste ano de 2016. Neste caso, especificamente, um anti-herói. Com a iniciativa da DC Comics / Vertigo de adaptar o personagem título para uma minissérie especial de HQs, a impressão de que estamos assistindo a um adulto mas ainda assim escapista filme de quadrinhos só se reforça. Tais ares podem desagradar a parcela do público que foi levada a acreditar , através de seu primeiro trailer, que o longa seria um thriller muito mais cerebral e maduro, mas esta escolha de rumo pode ser a garantia de que O Contador atinja e ressoe com um maior número de espectadores. Um movimento bem calculado? Talvez.

O Contador traz a história de Christian Wolff, um contador () que, em paralelo a suas funções aconselhando empresas, executa também serviços mais… sujos. Quando Wolff é chamado para analisar os registros financeiros de uma grande empresa de robótica, alguns detalhes inflamatórios emergem ao olhar diferenciado do contador, que apresenta uma espécie de autismo de alto funcionamento. Em meio a uma teia de intriga, o profissional deve então colocar suas habilidades secretas em uso para conseguir respostas, além de sobreviver. Intercalado com tudo isto, vamos descobrindo outras informações sobre o passado misterioso do personagem e sua ligação com outros nomes do elenco.

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E por falar em elenco, que bela turma foi unida. Desde seu anúncio inicial, o principal gerador de hype em cima do projeto sempre foi sua lista de atores, que, além de Affleck, inclui nomes como Anna Kendrick, Jeffrey Tambor, Jon Bernthal, J.K. Simmons, Jean Smart e John Lithgow. Com relação ao resultado, pode-se dizer seguramente que ninguém faz feio, mas ninguém chega a brilhar também. Nem mesmo seu protagonista. Ben Affleck, que já se demonstrou capaz em diversos filmes (inclusive no bagunçado Batman Vs Superman), aqui parece usar um pouco de sua limitação nata a seu favor, com bom desempenho nas cenas em que Christian age de maneira mais sisuda e antissocial.

Porém, sua encarnação do personagem chega a ser bastante inconsistente ao constatarmos seu autismo, que, apesar de coerentemente construído em suas cenas mais contidas, parece não existir nos momentos nos quais o ator interage de maneira extremamente bem-humorada com outros personagens, inclusive fazendo contato visual sem dificuldade alguma. Essa inconstância chega a ser gritante, mas ainda assim, não compromete o bastante a ponto de classificar como uma má performance.

Com relação ao restante do elenco, Kendrick traz seu charme habitual, Cynthia Addai-Robinson faz sua agente com competência apesar do papel irrelevante, Bernthal tem ótimos momentos como um mercenário com um senso de humor sombrio e Simmons parece já ter a mão treinada para assumir o posto de Comissário Gordon nos novos filmes da DC Comics.

O roteiro original de Bill Dubuque, responsável pelo mediano drama O Juiz, está repleto de boas ideias. Cria-se uma história de origem previsível mas variada, onde há, simultaneamente, elementos cômicos e dramáticos trabalhados de maneira com a qual o longa consegue sempre manter o interesse. Assim como o ótimo John Wick, há estilosos momentos mistos de ação e humor, além de uma construção de mundo decente, que contribuem para o charme da trama.

Por outro lado, esta variedade de ideias não é costurada de maneira eficiente no produto final. Os flashbacks, mesmo que necessários, poderiam ser melhor apresentados, estruturados ao longo do filme de maneira pouco sofisticada. Claro que muitas vezes isso é o necessário para preservar o elemento do mistério, mas quando se depende de uma longa cena de exposição encaixada no terceiro ato com fins de contextualizar o que vem a seguir, fica a sensação de que algo está fora do lugar.

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Apoiado pela fotografia competente do irlandês Seamus McGarvey, o diretor Gavin O’Connor realiza algumas boas cenas de ação, pondo em prática o que já havia demonstrado em Guerreiro e no piloto da série The Americans. Fora da ação, no entanto, O’Connor parece ter dificuldade em criar uma mise-en-scène original, sensação que se intensifica ainda mais quando se tem um protagonista com tanto potencial de alterar a linguagem de um filme.

Há alguns momentos nos quais o cotidiano de Christian é retratado com atenção a seus tiques e como estes se manifestam em diferentes momentos de estresse, mas quase tudo é registrado de maneira que parece dirigida por uma equipe de 2a unidade, sem atmosfera e sem intimidade, apenas mostrando o que é indicado de acordo com o roteiro. A montagem de Richard Pearson, a direção de arte de John Collins e a trilha de Mark Isham, apesar de eficientes, também não conseguem refletir a natureza do protagonista fortemente.

No fim das contas (pun intended), os problemas de O Contador não são o bastante para prejudicar uma boa experiência de filme-pipoca. Ainda mais considerando este fraco ano, é bom ver, ao menos, que há uma maneira de divertir e entreter com elementos já tão vistos, se apresentados de maneira levemente diferenciada. Seguindo o exemplo do hiper-estiloso John Wick, a Warner parece ter finalmente constatado que algumas boas ideias, somadas com um tom específico, podem ser o melhor jeito (ou pelo menos o mais seguro) de produzir seus filmes de heróis. É o que eu espero, ao menos.

Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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