Crítica: Um Instante de Amor

Crítica: Um Instante de Amor

Filmes de romance já viveram seu auge de popularidade. Ainda que hoje o público amante do gênero não seja pequeno, é minúsculo ao se comparar com a paixão contida nos tempos do cinema clássico de Hollywood, que com um roteiro sempre idealizado e uma direção açucarada, se tornou repetitivo ao longo das décadas. O uso de clichês e resoluções óbvias para entreter o expectador passou a enjoar o público gradualmente, visto que hoje o gênero sofre uma grande repulsa por parte de muitas pessoas. Nesse contexto, filmes românticos que fogem dos clichês e elaboram uma história originalmente envolvente são aqueles que se destacam nos dias atuais, e esse é exatamente o papel do novo filme da experiente diretora e atriz Nicole Garcia.

Marion Cotillard aparenta escolher seus filmes a dedo. A atriz, embora tenha vencido seu único Oscar por um drama biográfico (Piaf), é conhecida por interpretar inúmeros filmes de romance, tanto franceses (seu país de origem), quanto conhecidas produções americanas de diretores renomados como Meia-Noite em Paris (2011), de Woody Allen e Aliados (2016), de Robert Zemeckis. Em Um Instante de Amor, ela interpreta Gabrielle, uma jovem bela e apaixonada, além de incompreendida, que é considerada mentalmente instável por seus pais e conhecidos, buscando auxílio apenas em Jeannine (Victoire Du Bois), sua irmã mais nova.

Adèle (Brigitte Roüan), sua mãe, se vê preocupada com sua sanidade, e então força Gabrielle a se casar com José (Alex Brendemühl), um pedreiro. Ao ser chantegeada, Gabrielle fica sem escolhas, e mesmo sem amá-lo, acaba se casando com o homem, que também não possui sentimentos por ela. Em um casamento infeliz, Gabrielle ainda descobre que possui cólicas renais, uma doença que a impede de ser mãe. É quando ela, doente, vai se recuperar através de um tratamento em um spa, que encontra a paixão que jamais teve pelo marido em André (Louis Garrel), um tenente à beira da morte.

Um dos maiores acertos do roteiro está na interação entre André e Gabrielle, que se dá durante o segundo ato do filme. Diálogos interessantes e metafóricos garantem o prazer do expectador. Os atores possuem química e talento o suficiente para fazer de seus personagens concretos e apaixonados. O filme, que se passa em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial, ganha o público ao contar uma história de uma mulher sonhadora, que não é correspondida em seus desejos amorosos, e que para piorar é vista como louca por todos. Gabrielle reflete a realidade de muitas mulheres da época, que foram forçadas a se casar com homens que não desejavam, e que viviam em um ambiente opressor, deprimente e sem esperança. É com André que Gabrielle consegue finalmente expôr seus sentimentos e ser correspondida, ser amada, se sentir importante. Cotillard está mais uma vez incrível, protagonizando um notável e frágil romance francês.

Tecnicamente, a obra demonstra maturidade. A fotografia conta com planos estáticos de poucos movimentos, direção de arte se joga em cores frias que preenchem de descontentamento o já recheado coração do público, que já se sente amargurado por Gabrielle, e que torce desesperadamente para que a protagonista encontre a felicidade e amor que tanto procura. A simples montagem dá um ritmo lento ao filme, que se estende demais em algumas cenas. Mas a direção de Garcia confirma a qualidade do filme em cada área, extraindo do expectador calma e paciência para o que está por vir: uma virada inesperada ao terceiro ato.

A utilização de flashbacks e um desenrolar não linear faz da obra peculiar em sua história, mas também um tanto quanto confusa. O plot twist não deixa a desejar (na teoria), criando um sentido para todos os acontecimentos do enredo, mas o roteiro peca em tentar convencer o público e fazê-lo acreditar nas informações que foram expostas. Alguns expectadores podem achar inviável os eventos que ocorrem a partir do fim do segundo ato, porém é válido ressaltar a velha receita de bolo de qualquer platéia antes de assistir ao filme: a total disposição em se projetar no protagonista e interpretar os caminhos do filme a partir dos olhos do mesmo.

Os últimos minutos do longa são surpreendentes e criam uma sensação ambígua no expectador (raiva e compreensão), acompanhada da amena trilha musical de Daniel Pemberton, causando uma espécie de espanto agradável em qualquer um. Por fim, nos deparamos com uma abordagem bem original do gênero (romance), que definitivamente merece a atenção de seu público. É possível apreciar artisticamente cada cena do filme separadamente, pois cada frame conta um pouco sobre Gabrielle de uma maneira poética e sugestiva, mostrando seuas angústias, seus prazeres, e a pressão que possui em amar seu marido (ressaltada por todos à sua volta). Um Instante de Amor tem seus pontos baixos, mas não deixa de ser um ótimo entretenimento para qualquer amante de dramas românticos ou romances dramáticos.

FICHA TÉCNICA
Direção: Nicole Garcia
Roteiro:
Nicole Garcia, Jacques Fieschi
Elenco: Marion Cotillard, Louis Garrel, Àlex Brendemühl, Brigitte Roüan, Victoire Du Bois, Aloïse Sauvage, Daniel Para, Jihwan Kim, Victor Quilichini
Produção: Alain Attal
Fotografia: Christophe Beaucame
Trilha Musical: Daniel Pemberton
Gênero:
Drama / Romance
Duração: 121 min

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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