Rebobinando: Stromboli (1950)

Rebobinando: Stromboli (1950)

Hoje trazemos um clássico italiano que, além de possuir um ritmo lento, se enquadra como um filme a ser sentido pelo espectador, pois as sensações provocadas através das atuações, da direção e do roteiro, são claramente perturbadoras e angustiantes, refletindo perfeitamente as emoções de seus personagens amargurados. Uma obra distinta que poderá te dar uma outra visão do que é uma produção cinematográfica – principalmente se estiver acostumado apenas com filmes americanos. De nomes famosos, basta o da formosa protagonista e o do talentoso diretor.

STROMBOLI (1950)

Nem todos gostam de dramas com um alto grau de realismo, que se ilustra por meio de uma fotografia crua, cenários naturais e roteiros vagarosos de poucos diálogos. Porém não há mentiras a ser ditas: se você é um daqueles otimistas que busca um filme dramático apenas para se entreter sem nenhum aprofundamento emocional, recomendo que passe longe de Stromboli. Por outro lado, se for um espectador curioso, disposto a conhecer o pior das mazelas humanas e da frustração pessoal, essa obra italiana pode fazer de seu dia uma experiência inesquecível.

Na Itália, após o fim da 2ª Guerra Mundial, Karen (Ingrid Bergman), uma lituana, se casa com um pescador, Antonio (Mario Vitale), para deixar de viver em Farfa, um campo de concentração, pois não conseguiu um visto de emigração para a Argentina. Porém a vida na aldeia de Antonio, que fica numa ilha no Mediterrâneo aos pés do vulcão Stromboli, é bastante dura. Karen não consegue se acostumar a isto, e entra em conflito com o marido e a população local.

O trabalho interpretativo de Ingrid Bergman é, como sempre, magistral, conseguindo transmitir toda inquietude e desconsolo que uma mulher aprisionada por seus desejos e sua falta de liberdade pode sentir. Mario Vitale, apesar de possuir uma tarefa mais simples em sua atuação e de ser quase sempre ofuscado pelo brilho de Ingrid, também se mostra consistente em sua rigidez. Seus personagens destoam entre si, possuindo conflitos internos que prejudicam sua relação gradativamente, o que é notoriamente sentido e absorvido pelo público uma vez que as conversas entre Karen e Antonio aparentam ser intensamente verídicas, quase como conversas de bastidores, realçando mais uma vez o realismo do filme.

Seria impossível não pontuar a exímia direção de um dos maiores diretores neorrealistas já existentes, Roberto Rossellini, que no momento da produção do filme se encontrava em uma relação amorosa com Ingrid Bergman, união que duraria 7 anos, e que se tornaria uma das relações mais comentadas e beneficentes do cinema na época, dando ótimos frutos como uma bela obra chamada Romance na Itália (1954). Rossellini dirigiu o filme da forma mais pura possível, sem planejamentos aprofundados como mapas de luz e ângulos de câmera, deixando esta existir apenas como um instrumento registrador, captando as emoções e expressões mais sinceras/naturais dos atores, que não diferem de seus personagens já que praticamente não há encenação alguma.

Todo esse caráter documental do filme se equilibra com a ótima trilha sonora composta por Renzo Rossellini (irmão do diretor), que se faz presente apenas em instantes convenientes, havendo várias cenas sem diálogos e sem música para auxiliar a receptividade do público para com um ambiente miserável e desolador. O roteiro, apesar de não ser inovador nem pretensioso (tanto nos diálogos como no decorrer dos atos), foi extremamente colaborativo, sendo escrito por 4 nomes, entre eles: Sergio Amidei, Gian Paolo Callegari, Art Cohn, Renzo Cesana.

Nitidamente, Stromboli não é um filme para se divertir. Quando estamos em casa e queremos distrair nossa mente com algum entretenimento dinâmico, sempre escolhemos algum filme americano de fácil absorção – e é daí que podemos concluir que os filmes italianos (principalmente neorrealistas), não seguem este modelo hollywoodiano. Stromboli alavanca reflexões, sentimentos extremos e amargos que são difíceis de engolir pelo espectador convencional, que está acostumado com pontos de viradas inesperados. Porém, ao mesmo tempo, o filme nutre de uma delicadeza admissível, e não acaba extrapolando para cenas fortes, sabendo conduzir seu público através de seus longos planos.

Não se pode dizer que Ingrid Bergman “carrega o filme nas costas”, mas é clara sua relevância neste meio depressivo e realista. A atriz não falha em nenhum momento, até seu italiano é consideravelmente bom, algo que poucas atrizes conseguem realizar em sua primeira obra estrangeira. Se procura um filme que te lembre o quanto a vida pode ser boa e feliz se mantivermos nossa humilde esperança, Stromboli não é a obra para esse momento. É na verdade uma obra para pensar, sentir e guardar. Reflexo fiel de uma civilização afastada, de uma mulher angustiada, de um mundo bruto, desumano e impiedoso.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.