Rebobinando: Um Caminho para Dois (1967)
Comédias românticas não são todas iguais. Verdadeiros fãs do gênero já devem saber disso. Já os que discordam, podem começar a perder essa medíocre visão assistindo o marcante Rebobinando de hoje, Um Caminho para Dois, belíssima obra dirigida pelo genial Stanley Donen, diretor de Cantando na Chuva (1952). Romances que abordam o amor e a paixão com tamanho realismo são poucos, pois não basta apontar os altos e baixos, não bastam beijos apaixonados. A tarefa mais difícil é criar uma profunda reflexão emocional no espectador, forçá-lo a se identificar com a relação dos personagens e fazê-lo crer na impotência do ser humano frente aos seus sentimentos.
“Um Caminho para Dois” (1967)
Sabemos que se existe algum astro de cinema que teve sua imagem tão divulgada e enaltecida como Charlie Chaplin e Marilyn Monroe, esse alguém é Audrey Hepburn. A dama, além de esbanjar elegância e ter estabelecido um vestuário que até hoje é considerado atual, também mostrou seu gigantesco talento nas telas de cinema. No britânico Um Caminho para Dois, a atriz mostra que sua capacidade interpretativa vai muito além da princesa Ann no conhecido A Princesa e o Plebeu (1953).
A história do filme se desenvolve em flashback e narrativa não linear. Acompanhamos os 12 anos da relação entre um arquiteto, Mark Wallace (Albert Finney), e sua esposa, Joanna (Audrey Hepburn). O casal avalia se deve ou não continuar junto e lembra que tudo começou quando Mark, ao viajar pela Europa, sente-se atraído por uma estudante de música, Jackie (Jacqueline Bisset), mas logo se envolve com Joanna, que também aspirava estudar música. Já casados, Joanna e Mark vivem uma desastrosa lua-de-mel, na companhia de insuportáveis turistas americanos, Howard (William Daniels) e Cathy Manchester (Eleanor Bron) e também da intolerável filha deles, Ruth (Gabrielle Middleton). Tempos depois, em outra viagem, Mark recebe uma irresistível proposta de trabalho de um milionário, Maurice Dalbret (Claude Dalphin), o que distancia Mark de Joanna, que agora está grávida.
É ótimo como o relacionamento do casal aproxima o público dos acontecimentos, quase como se nos colocasse dentro daquelas sensações e nos fizesse encarar Mark e Joanna como duas pessoas reais, e não simples e caricatos personagens tentando basicamente nos entreter por duas horas. O filme vai além das bases do entretenimento, se entrelaçando pelas emoções e conflitos de qualquer casal com muita verossimilhança. O roteiro (maior qualidade da obra) de Frederic Raphael é escrito com sensibilidade e naturalidade, buscando ingenuidade e atingindo as fraquezas do espectador.
A química entre Hepburn e Finney (outro grande ator de sua época) é surpreendentemente realista, funcional e envolvente. Albert Finney compõe um personagem teimoso, cômico e apaixonado, trazendo para seu personagem Mark, toda a veracidade do comportamento masculino. Audrey Hepburn também encontra fácil sua personagem Joanna, que apesar de não se diferenciar tanto de seus outros personagens, ainda possui traços peculiares como a forte ironia em seu olhar, sua personalidade convencida e um carinho singular por Mark.
Palmas para a direção de Donen, que sabe arrastar o espectador exatamente para o lugar pretendido em cada cena. Dá vida ao roteiro de maneira excepcional, com uma escolha de enquadramentos simples, usando da narrativa não-linear a seu favor. Isso deixa a lição de que não importa se tal acontecimento veio antes ou depois, e ajuda a enfatizar o fato de que um casal passa e sempre irá passar por bons e maus bocados, independente do tempo que aquele momento ocorre.
O roteiro também acerta em cheio ao incluir situações cômicas que caracterizam o filme como uma comédia romântica (embora haja uma grande precisão do drama envolvendo cada cena). As piadas e conteúdo humorístico são atemporais (assim como o filme em si), e garantem bons risos do público sem precisar apelar para uma linguagem vulgar. Um Caminho para Dois presenteia sua plateia com sutileza, mas ao mesmo tempo, uma apreciável exatidão no romance vivido por Mark e Joanna.
Outros dois aspectos fazem do filme uma das melhores comédias românticas britânicas de todos os tempos. O primeiro é a essencial trilha musical composta por ninguém menos que Henry Mancini, um dos maiores nomes do Easy Listening. Sua música mescla características dramáticas junto à elementos do jazz, com acordes suaves que te emocionam várias e várias vezes, e que acabam se encaixando perfeitamente com o ritmo pretendido pelo roteiro. O segundo aspecto é a relevante e original montagem colaborativa da obra, realizada por Madeleine Gug e Richard Marden. Com uma identidade própria, os cortes brutos chegam a dar um sentido cômico (ou ao menos curioso) ao juntar duas épocas diferentes, embaralhando cenas em que o casal está contente, com cenas em que ambos não se suportam mais.
Um Caminho para Dois é um clássico que merece mais reconhecimento do que recebe. Arrisco dizer que o amor nunca foi tão bem espelhado no cinema como com essa interessante parceria entre a direção de Donen e o roteiro de Raphael. A obra, na época, felizmente foi valorizada por premiações mundiais. O filme foi indicado ao Oscar e ao BAFTA como melhor roteiro, além da indicação ao Globo de Ouro para Hepburn como melhor atriz em comédia ou musical, que acabou perdendo para Anne Bancroft em A Primeira Noite de Um Homem (1967).