Crítica: Okja
Qualquer um que tenha visto um filme do sul-coreano Bong Joon Ho sabe que o diretor, assim como alguns de seus conterrâneos, de louco tem… bastante! Bong, que dirigiu os excelentes O Hospedeiro e O Expresso do Amanhã, provou-se um exímio contador de histórias, frequentemente navegando por tons e temáticas distintas com uma facilidade de dar inveja aos mais audaciosos cineastas. Após assistir a seu novo longa Okja, lançado mundialmente pela Netflix, fica ainda mais explícita a acidez de sua proposta, que possivelmente levaria à sua rejeição pelas grandes redes de cinema.
A princípio um filme de aventura infanto-juvenil, Okja conta a história da superporca homônima e Mikha (Ahn Seo Hyun), a garota sul-coreana que a criou nas montanhas. Provavelmente se pergunta: o que diabos é uma superporca? Em um rápido prólogo, Lucy Mirando (Tilda Swinton), cabeça da Mirando Corporation, explica à imprensa o desenvolvimento de uma nova espécie, geneticamente alterada, que depois será multiplicada com os fins de fornecer uma alternativa à pecuária comum. Essa espécie é conhecida como o superporco, da qual um seleto grupo é distribuído para criação por fazendeiros ao redor do mundo. Um desses porcos é Okja, que dez anos após sua concepção, é reinvidicada pela empresa que a criou, separando-a de sua amiga de longa data, que por sua vez fará de tudo para trazer a criatura de volta para as montanhas onde cresceram juntas.
Primeiramente, deve-se falar do elefante na sala de estar, ou melhor, a superporca. Okja é uma criatura fascinante. Ora, talvez seja o bicho mais adorável a dar as caras em um filme este ano. Um trabalho espetacular de efeitos, Okja é grande, atrapalhada, gentil e bastante inteligente. Além disso, sua conexão com Mikha é de uma beleza incomum, palpável desde os encantadores primeiros minutos. Por isso, quando o longa toma rumos mais sombrios (e infelizmente reais), é difícil não se envolver com a missão de Mikha. Animais Fantásticos? Esse filme só precisou de um! Mikha, por sua vez, surpreende com sua força de caráter e mente sustentável, que, entre outras coisas, pesca e devolve os menores peixes à água, atitude que já denota sua relação de equilíbrio com a natureza. A busca da garota por Okja então ganha peso com a ótima atuação de Ahn, que encarna uma das mais fortes protagonistas de um filme de gênero(s) em anos.
Assim como em Expresso do Amanhã, seu primeiro longa em língua inglesa, Bong Joon Ho demonstra um firme comando sobre um elenco internacional. Com uma protagonista não-humana e outra falando apenas em coreano (com exceção de uma única cena), Bong comunica a maioria de suas ideias visualmente, mas também não faz feio nas cenas faladas em inglês (um desafio para muitos diretores internacionais). A parcela ocidental do elenco, além de Swinton, é composta também pelos ótimos Paul Dano, Steven Yeung, Lily Collins e Daniel Henshall, todos no papel de membros da organização ALF (Animal Liberation Front), que prestam grande ajuda a Mikha mas também possuem interessantes conflitos internos, tornando-os em algo além dos típicos bons moços. Já no círculo antagonista, há Giancarlo Esposito, o eterno Gus Fring de Breaking Bad, em casa no papel de um empresário calculista, e a sempre peculiar Shirley Henderson como a assistente pessoal de Lucy Mirando. Mas e Jake Gyllenhaal? Bom, digamos que o ator exagerou na caricatura, até mesmo para um longa de Bong Joon Ho. Ainda assim, nada que comprometa a experiência geral.
Fotografado pelo experiente Darius Khondji (Z – A Cidade Perdida, Se7en), Okja possui uma estética vibrante e inventiva, nunca falhando em sua missão de entreter. A atmosfera divertida pode também aliviar o espectador de seus momentos mais melancólicos ou viscerais, na forma de escapismo em que Bong já provou ser mestre. O grande destaque fica para a longa perseguição ao fim do primeiro ato, na qual Mikha faz de tudo para alcançar o caminhão que transporta sua fiel amiga para fora de Seoul. Sem a intenção de entregar detalhes, trata-se de uma cena riquíssima, muito bem montada e estruturada por Meeyeon Han e Yang Jin Mo, acompanhada também de uma trilha divertida do eclético Jaeil Jung. É o tipo de material que prova a capacidade da Netflix de produzir entretenimento digno de uma tela grande e bom som. Ainda mais marcante é o fato de tal momento fazer parte de uma obra tão corajosa e ousada em seu conceito.
E como qualquer projeto verdadeiramente ousado, Okja, além de entreter, incomoda o espectador. Deve-se enfatizar o quão perturbadoras são as cenas ambientadas nos laboratórios e abatedouros. Tais momentos nunca se aproximam da apelação, mas a intenção de Bong de desestabilizar e inconformar o público fica bem clara. Uma cena em especial, envolvendo uma cerca, deve arrancar lágrimas espontâneas do mais endurecido espectador – um momento digno das listas de fim de ano.
Okja, assim como todo outro filme de Bong Joon Ho, pode não ser para todos os gostos. Ou talvez seja exatamente isso, feito para todos os gostos ao mesmo tempo, naquela salada boa e muito bem temperada que apenas um louco como Bong saberia preparar. E a Netflix, por apoiar um projeto tão incomum e audacioso, certamente merecia muito mais do que vaias na Croisette.
FICHA TÉCNICA
Direção: Bong Joon Ho
Roteiro: Bong Joon Ho
Elenco: Ahn Seo Hyun, Tilda Swinton, Paul Dano, Steven Yeun, Lily Collins, Giancarlo Esposito, Jake Gyllenhaal
Fotografia: Darius Khondji
Montagem: Meeyeon Han, Yang Jin Mo
Trilha Sonora: Jaeil Jung
Duração: 118 min
Distribuição: Netflix
Gênero: Drama / Aventura